Header Ads

Os saberes escolares em saúde na educação física: Um estudo de revisão



INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar a produção acadêmica acerca dos saberes escolares em saúde no campo da Educação Física Escolar (EFE).
Partimos de uma concepção de saberes escolares, advinda dos estudos curriculares, cuja tendência articula-se à Nova Sociologia do Currículo. Segundo Valle (2008), essa tendência abrange o estudo do pensamento curricular (produções teóricas da área, as políticas curriculares, os currículos vigentes, práticas vivenciadas), além da problemática das disciplinas escolares.
Os estudos sobre os saberes escolares ocupam um espaço fundamental no debate acadêmico acerca da dinâmica curricular, interferindo na política curricular, nos processos de escolarização, nos programas de formação inicial e continuada de professores, e orientam a organização de propostas curriculares, as modalidades de avaliação da aprendizagem, a seleção de livros e demais recursos didáticos.
Mas o que são os saberes escolares? Quais os saberes escolares em saúde propostos para o ensino da Educação Física?
Segundo Souza Júnior (2009), os saberes escolares são compreendidos como os conhecimentos produzidos na interação entre sujeitos e objeto da educação escolar, presentes na intencionalidade e na consequência da prática pedagógicas, sendo constituído num processo de seleção, organização e sistematização.
O processo de constituição dos saberes escolares, segundo Souza Júnior, Santiago, e Tavares (2011) se dá num movimento contínuo em três distintas instâncias e situações. Na seleção, quando se reconhece a fonte, a relevância e as concepções que ajudam nas escolhas do conhecimento. Na organização, quando observando as condições escolares, em termos de recurso, instalações, e reconhecendo a turma, se faz arranjos do conhecimento no tempo e espaço escolar. E na sistematização, quando na interação entre os sujeitos (professor e aluno), se usa princípios, métodos e procedimentos de ensino e avaliação para apropriação e produção do conhecimento.
No contexto da Educação Física brasileira, os saberes escolares, do século XIX à década de 80 do século XX, estiveram atrelados à questão da aquisição de hábitos de higiene, dos preceitos patrióticos, dos valores morais, das normas de civilidade, estabelecendo a escola como lugar da regeneração da raça e da saúde, chamado por Câmara (2004), de "laboratório de saúde da raça".
Por isso, a escola sofreu reformas curriculares para que fosse um espaço de formação de hábitos sadios e desejados, para integração moral e social da criança, através dos "Programmas para as escolas primárias" em 1929, de Fernando Azevedo (Câmara, 2004).
Nesse sentido, a composição das disciplinas escolares continham esses fundamentos, e à Educação Física, caberia regenerar, física e mentalmente a raça brasileira, como parâmetro necessário para higienização, medicalização, controle e conformação dos corpos na casa, na família e nos seus hábitos.
Esses saberes eram abordados sob a perspectiva de aptidão física calistênica ou aquela relacionada à aquisição de habilidades motoras (coordenação, equilíbrio, velocidade, tempo de reação e agilidade), desenvolvidos no contexto da atividade, da prática da ginástica e do esporte (Bracht, 1999; Castellani Filho, 2013; Ghiraldelli Junior, 1995; Soares, 2005).
Neste contexto, a entrada das ciências sociais e humanas nas discussões da Educação Física, permitiu uma ruptura com o paradigma da aptidão física nos moldes biologicistas, e construiu uma teorização pedagógica, conforme Bracht (1999), baseando-se na análise da função social da escola e da concepção de Educação Física, com desdobramentos às diferentes proposições pedagógicas para o ensino na escola.
No início da década de 1990, isto gerou momentos de aproximação e distanciamento do trato com o tema saúde nas aulas de Educação Física, pois a suposta negação do paradigma da aptidão física poderia caracterizar certo avanço ou retrocesso, para esta ou aquela proposição pedagógica. Mas, vários estudiosos da área da Educação Física buscaram discutir e ampliar o debate em torno da saúde (Della Fonte & Loureiro, 1997; Gaya, Cardoso, Siqueira, & Torres 1997), indicando os saberes escolares a serem abordados nas aulas de Educação Física (Guedes, 1999; Guedes e Guedes, 1993a, 1993b; Nahas, 2006; Nahas e Corbin, 1992a, 1992b).
Esses estudos buscaram apresentar um novo conceito, uma nova concepção de saúde, que melhor respaldasse a retomada do tema na área de Educação Física, entendendo a saúde como uma condição humana com dimensões física, social e psicológica (Guedes, 1999), num processo "continuum" com pólos positivos, associados à capacidade de apreciar a vida e de resistir aos desafios do cotidiano, e pólos negativos, associados à morbidade e/ou mortalidade (Bouchard, Shephard, Stephens, Sutton, & McPherson, 1990).
Esta conceituação ainda se estabelece numa relação de saúde como ausência de doenças, se referindo ao estado negativo como morbidez ou mortalidade. Neste sentido "apreciar a vida" ou "resistir" aos desafios do cotidiano, como pólo positivo, se torna incorporação ou adequação aos modelos sociais.
Ainda assim, esse conceito tem sido bastante utilizado nos estudos sobre EFE e Saúde, por estar alicerçado no discurso de combate ao sedentarismo. Os aspectos da aptidão física relacionada à saúde se apresentaram como novidade, sendo selecionados como saberes escolares, compreendendo resistência cardiorrespiratória, força, composição corporal, flexibilidade e resistência muscular, como componentes da promoção da saúde, mantidos através de hábitos saudáveis.
Dessa forma, chegamos ao século XXI, com novas perspectivas do trato com o conhecimento saúde na escola, e no campo conceitual, sobretudo no campo da saúde pública e coletiva, percebendo a saúde como temática emergente.
De acordo com González e Fensterseifer (2008) a saúde coletiva relaciona as condições objetivas de vida e o estado de saúde das populações na perspectiva da determinação social dos processos saúde-doença-cuidado, e a saúde pública refere-se ao conjunto de medidas executadas para promoção, preservação e recuperação da saúde pelo Estado.
Esse entendimento sobre a saúde coletiva e pública apontou novas perspectivas ao campo acadêmico, na medida em que estabeleceu novas formas de pensar sobre as situações reais de vida, impactando nas produções científicas da Educação Física. Contudo, Darido, Rodrigues, e Sanches Neto (2007), ao analisarem a produção científica em torno da EFE, identificaram poucas indicações de como abordar a saúde nas aulas da escola, ou de um compromisso com uma proposição crítica sobre o tema.
Nesse contexto, Carvalho (2012) desenvolveu um estudo de dissertação de mestrado em Educação Física, por meio da pesquisa-ação, revelando que é possível trabalhar os conteúdos de saúde subjacentes aos temas da cultura corporal nas aulas de Educação Física numa perspectiva crítica, afirmando que saber sobre os hábitos saudáveis exige a compreensão do como o contexto social propicia qualidade de vida aos indivíduos, e como se materializa a participação individual e coletiva na transformação da sociedade.
Desse modo, percebendo a centralidade e historicidade da temática da saúde no campo da EFE, como se dá o debate em torno desta na produção acadêmica da área? Os saberes escolares têm sido tratados como objetos de estudo nestas investigações? O que apontam os estudos deste campo acerca da temática, levando em consideração o processo de seleção, organização e sistematização do conhecimento?


MÉTODO

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, (Minayo, 2010), pois busca interpretar os significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de varáveis.
Assim, realizamos um estudo de revisão sistemática conforme Gomes e Caminha (2014) e Bento (2014), sendo, para esta última, uma forma de produzir sínteses da literatura, obedecendo a um método e critérios de seleção explícitos, sendo exaustivas e replicáveis por outros investigadores.
Definimos o período de 2008-2014 para a coleta de dados, considerando o estudo, realizado por Darido, Rodrigues, e Sanches Neto (2007), que investigou a produção científica sobre a temática EFE e Saúde, nos últimos dez anos (1997-2007), verificando o interesse e os pressupostos destas concepções nos artigos publicados em dez dos principais periódicos brasileiros da área, sendo pertinente analisar os estudos posteriores a este.
Utilizamos como base de dados, os periódicos da Educação Física, a partir do sistema WebQualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tendo como critérios de inclusão: estar classificado nos estratos A2, B1, B2, B3 e B4; ser periódico disponível em língua portuguesa; possibilitar publicações referentes à temática Saúde e EFE.
Já a seleção dos artigos teve como critérios de inclusão: estar disponível gratuitamente na versão digital; disponibilizar a versão completa do artigo; ser original e em língua portuguesa; abordar a temática Saúde e EFE. Foram excluídas as publicações que tratavam de resumos de teses, dissertações, monografias, livros, palestras ou entrevistas, artigos de revisão e ensaios.
No processo de busca dos artigos, utilizamos as combinações de descritores: Educação Física; Saúde e Escola; e Educação Física e Saúde. Utilizamos também o símbolo de truncamento (*), recurso de busca que tem por função localizar artigos iniciados em Saúd*, no sentido de refinar ainda mais o processo de busca pelos textos.
Para análise dos dados, utilizamos a análise de conteúdo categorial por temática de Bardin (2011), como uma técnica que tem oferecido "rigorosidade científica na pesquisa qualitativa em Educação Física escolar" (Souza Júnior, Melo, & Santiago, 2010), a qual constitui uma ação de desmembramento de textos ou mensagens, para posterior reagrupamento nas categorias analíticas: saberes escolares e saúde.
Sumariando os dados coletados e visando dar suporte à análise qualitativa dos conteúdos, foi realizada uma estatística descritiva, particularmente com o cálculo da frequência absoluta e relativa.


RESULTADOS

No processo de busca pelos artigos que contribuíssem com a reflexão a partir das categorias analíticas, observou-se que 10 periódicos, dos 24 antes selecionados, foram excluídos, conforme Tabela 1, pois alguns sites se encontravam fora do ar, uns redirecionaram a outros endereços, outros não permitiram a busca eletrônica por descritores indexados e ainda, mesmo tendo sido selecionado em função do escopo, não apresentaram artigos que atendiam o critério de inclusão.
Chegamos ao total de 14 periódicos que permitiram localizar os artigos com as características delimitadas, como mostra a Tabela 2.
Observamos que há uma maior concentração dos estudos acerca da EFE nos periódicos de estrato B, demonstrando as possíveis dificuldades encontradas pelos estudos pedagógicos, no âmbito da Educação Física, em publicar em estratos superiores, mas consideramos também a autonomia dos autores para definir quais periódicos que desejam publicar, especialmente no que se refere à temática saúde.
Depois de selecionados os periódicos, identificamos 106 artigos, dos quais 25 atendiam aos critérios estabelecidos para o estudo. Dentre os 25 artigos, observamos que a temática 'Educação Física Escolar e Saúde' se concentrou sobre dois grandes blocos de pesquisa: as de base epidemiológica e as do contexto da prática pedagógica, e assim nos permitiram análises em torno das categorias analíticas saberes escolares e saúde.
Entre as pesquisas, encontramos 14 estudos epidemiológicos (56%), caracterizados como aqueles que buscaram analisar os hábitos de vida relacionados à saúde de crianças e adolescentes no ambiente escolar, ou seja, estudos realizados com escolares, e 11 estudos (44%) sobre o contexto da prática pedagógica, caracterizados como aqueles que abordaram o trato com o conhecimento saúde nas aulas de Educação Física, ou seja, estudos com e para a escola.
Os Quadro 1 e 2, apresentam os estudos selecionados nesta revisão.
A Tabela 3, apresenta as características específicas dos estudos supracitados, a partir dos principais tipos de estudo desenvolvidos. Entre os estudos epidemiológicos, 71,4% são de caráter descritivo, 21,4% são estudos transversais, e 7,2% de caráter experimental. Entre os estudos sobre a prática pedagógica, 9,1% são estudos de representações sociais, 18,2% descritivos de campo, 36,3% experimentais; 9,1% etnográficos; 9,1% pesquisa-ação e 18,2% de intervenção.



Tanto os estudos epidemiológicos, quanto os da prática pedagógica, relatam a importância do tema saúde nas aulas de Educação Física. Nesse sentido, identificamos que, embora não seja, propriamente, o objeto do estudo das pesquisas dos artigos, há indicativo de elementos importantes acerca dos saberes escolares. Particularmente nos estudos da prática pedagógica percebemos que há indicativos que podem repercutir no contexto da seleção, organização e sistematização do conhecimento.
No contexto da seleção do conhecimento, consideramos a fonte documental (documento curricular oficial) de base dos estudos, a Relevância do uso social do conteúdo, e as concepções de Educação Física, Saúde e escola, utilizadas pelos estudos analisados. Sobre a organização do conhecimento, identificamos a Disposição do Conhecimento, relativo ao tempo pedagógico e aos saberes escolares expressos nos artigos. E na sistematização do conhecimento localizamos a metodologia do ensino (princípios metodológicos, planejamento e procedimentos didáticos) e a avaliação (procedimentos avaliativos). É o que nos mostra a Tabela 4.


DISCUSSÃO

Nos resultados identificamos a existência de dois blocos de estudos: os epidemiológicos e os da prática pedagógica.
Nos estudos epidemiológicos, segundo Rouquayrol e Goldbaum (2003) se discutem a distribuição e os determinantes das doenças ou condições relacionadas à saúde em populações específicas. No contexto de nossa revisão sistemática, estes se utilizaram dos estudos transversais, descritivos, experimentais ou de intervenção, para fazer análises das prevalências de obesidade, níveis de prática de atividade e aptidão física entre estudantes, comportamentos de risco, a partir de diferentes variáveis: sexo, idade, escolarização, composição corporal, intensidade da atividade física, fatores sociodemográficos, econômicos e comportamentais.
Por isso mesmo, são estudos essenciais, desenvolvidos com escolares, o que possibilita a apropriação do conhecimento específico do campo da saúde, para qualificar a prática pedagógica no campo escolar. Porém, não podem ser identificados como estudos em EFE.
Betti, Ferraz, e Dantas (2011) explicam que os estudos com os indivíduos que estão incidentalmente presentes nos tempos-espaços escolares não pode ser uma pesquisa em EFE, por não estarem associados às relações sociais complexas e dinâmicas que envolvem a Educação Física na escola. O que confirma os estudos analisados não terem, propriamente, em seus objetos de investigação, foco nos saberes escolares.
Os estudos da prática pedagógica são aqueles relativos às ações didático-pedagógicas da Educação Física na escola, considerando as questões sobre metodologia do ensino, procedimentos avaliativos, conteúdos de ensino, e sobre a dinâmica curricular. É nesse contexto que os estudos da prática pedagógica adotam tipos de pesquisa que favorecem o olhar sobre 'o chão da escola' da Educação Física, a partir da pesquisa qualitativa em sua diversidade de métodos, instrumentos e procedimentos analíticos.
Entre os tipos de pesquisa destacamos as pesquisas: de Representações Sociais; Descritivas; Experimentais; Etnográficas; A Pesquisa-Ação; e as de Intervenção.
Os estudos descritivos analisados buscaram quantificar as informações e apontar as discussões sobre o objeto de pesquisa. Quanto às pesquisas de Representações Sociais (Moscovici, 2010), Etnográficas (André, 2011), e Pesquisa-ação (Thiollent, 1996) tem como característica a interpretação da realidade, a partir do acompanhamento sistemático do campo investigado, em que a escola se torna objeto de reflexão.
Diante desse panorama geral, podemos afirmar que, no que se refere aos saberes escolares, também não foram encontrados estudos que trouxessem essa temática como objeto de estudo. Quer dizer, os estudos não tem problema de pesquisa, intenção, fontes, referências específicas voltadas para os conhecimentos que se produzem na interação entre professores e estudantes nas escolas de Educação Básica, não dizendo respeito, propriamente, à investigações acerca de políticas, dinâmicas, disciplinas curriculares e seus processos de escolarização. Entretanto, nos estudos da prática pedagógica, alguns elementos retratam ou repercutem na seleção, organização e sistematização dos saberes escolares.
Os estudos epidemiológicos focam nos saberes acerca do exercício físico, dos hábitos alimentares, como saberes fundamentais diante das práticas corporais desenvolvidas na escola. E os estudos sobre prática pedagógica, dada à especificidade dessas pesquisas, tem como eixo a questão pedagógica, apontando a saúde como conteúdo de ensino a ser tratado nas aulas de Educação Física.
De acordo com a Tabela 4, os saberes escolares em saúde no campo da Educação Física trazem no bojo da produção acadêmica, seu processo de constituição enquanto seleção, organização e sistematização do conhecimento.
No processo de seleção do conhecimento saúde, identificamos que são os documentos curriculares oficiais, embasados pelas proposições pedagógicas para a Educação Física, nos PCN, e no livro didático, as principais fontes de informação dos pesquisadores. Estas fontes são utilizadas para justificar a relevância social do conteúdo nas aulas de Educação Física, tendo como argumento a adoção de uma vida saudável
As fontes e a relevância social do conteúdo trazem implícita ou explicitamente as concepções de Educação Física, de saúde, e de escola que aparecem na seleção do conhecimento. No que tange à concepção de Educação Física, é vista como uma área do conhecimento sob o aspecto da promoção da saúde (81,8%), destacando as atividades físicas como um saber próprio da área, e outra voltada para a cultura corporal (18,2%), defendendo os temas clássicos, esporte, dança, luta, jogo, ginástica, mais a saúde. Ambos entendem a Educação Física como componente curricular.
Em relação à concepção de saúde, nota-se que há uma predominância da saúde numa perspectiva ampliada (pública e coletiva), em que os fatores sociais, econômicos, políticos são determinantes na forma do sujeito intervir e adquirir saúde. Apoiados nesses conceitos, os estudos impulsionam o surgimento de estratégias capazes de fortalecer a emergência de novos paradigmas com relação às práticas corporais e a saúde nas aulas de Educação Física.
Este é um campo conceitual que se opõe a ideia de saúde enquanto ausência de doenças, ou às práticas e saberes que se constituem numa perspectiva individual expressas no conceito do estado de bem estar físico, mental e social, ou por aproximação aos pólos positivos (apreciar a vida e resistir às intempéries) e negativos de saúde (morbidade ou mortalidade), ambos identificados nos artigos investigados.
Esse, portanto, é o movimento conceitual no qual a área da Educação Física está envolvida, o que indica a devida importância atribuída pelas pesquisas à dimensão de saúde, ao mesmo tempo em que, o próprio conceito de saúde ainda busca ser mais bem debatido no meio acadêmico.
Sobre a concepção de escola, observamos que é reconhecida como local privilegiado para abordar a temática saúde, considerando o número de pessoas que circulam e convivem na escola, para garantir o maior número de informações referente à educação para a saúde, com a adoção de hábitos saudáveis na vida adulta. Há uma projeção social da saúde com ênfase na prática da EFE.
De fato, a escola ocupa lugar central no campo da educação. Segundo Saviani (2009) a escola é a forma principal e dominante da educação, e emergiu como a forma mais elaborada, sistemática e mais avançada de educação, tendendo a absorver toda a função educativa. E nesse sentido, essa tendência traz um alargamento sem precedentes de que na escola é possível aprender uma variedade de conhecimentos.
Nesse contexto, colocar a saúde como temática da prática pedagógica significa atribuir uma responsabilidade muito grande à escola, consequentemente às aulas de Educação Física, pois, da mesma forma que as práticas corporais são produzidas historicamente, outros temas são de extrema relevância para serem discutidas no ambiente escolar. À saúde não cabe exclusividade.
No processo de organização do conhecimento, identificamos o tempo pedagógico e os saberes escolares como elementos de destaque na disposição do conhecimento. O tempo pedagógico é visto como aquele necessário para a apropriação do conhecimento, portanto, o tempo nos espaços escolares exige adaptar condições para alcançar fins e padrões sociais previamente determinados, mas nem sempre suficientes ou desejáveis pedagogicamente.
Os estudos investigados questionam a ineficiência da quantidade de horas/aulas, bem como a duração das mesmas para que seja trabalhado o conteúdo saúde, sugerindo, inclusive, pensar no recreio como um tempo em potencial para que as atividades físicas ganhem espaço. Porém, precisamos refletir sobre a dimensão do tempo escolar no que diz respeito: às condições do espaço como imprescindíveis para que a aula aconteça com qualidade; à ampliação do tempo de aula relacionado à dinâmica do currículo, e não de um componente curricular; e ao tempo do recreio como um intervalo que não precisará ser um tempo dirigido.
É importante ainda problematizarmos se é uma questão de tempo de aula (uma, duas, três...) e de condições escolares, pois pensamos que a saúde não é para ser desenvolvida, aprimorada, adquirida pela intencionalidade das ações pedagógicas da EFE e sim tratada como saber escolar, mais propriamente como conteúdo subjacente às temáticas da cultura corporal, podendo gerar consequências positivas na saúde dos sujeitos.
Sobre os saberes escolares, os indicativos e elementos encontrados estão ligados diretamente aos conteúdos de ensino, (90,9%), e revelam a justa importância da saúde como temática a ser abordada na escola, mas sob uma demarcação forte a respeito dos componentes da aptidão física relacionados à saúde e/ou aos componentes da aptidão física relacionados às habilidades motoras, especialmente voltadas ao Esporte. Os esportes, os jogos e as brincadeiras se caracterizam como estratégias para alcançar os níveis de aptidão física desejadas.
Além desses temas, a dança, a ginástica, as artes marciais, as atividades rítmicas, temas clássicos da área, também são sugeridos. E ainda, como conteúdos surgem as doenças crônico-degenerativas, os hábitos saudáveis, a prevenção de doenças, os distúrbios alimentares, a prescrição do exercício e os fatores de risco.
Da mesma forma, também aparecem estudos que colocam a discussão sobre a saúde, a influência da mídia, o preconceito racial, e os padrões de beleza, como temáticas emergentes e inerentes ao conteúdo da aula relacionado aos conhecimentos da EFE (jogo, dança, luta, esporte e ginástica).
No que se refere à sistematização do conhecimento, identificamos dois componentes da prática pedagógica: a metodologia do ensino, conectada aos fundamentos teóricos, aos procedimentos didáticos e ao planejamento; e a avaliação, a partir de seus procedimentos.
Os fundamentos teóricos nos estudos têm sido pouco explorados, já que explicitam a intencionalidade educativa do método do ensino. Apenas um estudo se dedica a apresentá-los, com base na perspectiva Histórico-Crítica (Saviani, 2009), cuja metodologia articula teoria e prática, mediada pela problematização, instrumentalização e catarse.
Os procedimentos didáticos se concentram sobre as estratégias utilizadas nas aulas de Educação Física para abordar a saúde. Entre elas, é possível ver que se destacam as aulas teórico-práticas, aulas práticas, eventos esportivos, jogos, brincadeiras e vivências esportivas. Contudo, existem outros procedimentos que favorecem a discussão sobre a saúde, como os seminários, festivais, visitações, o que enriquece e diversifica não só os tipos de atividades pedagógicas, mas principalmente a construção coletiva das mesmas e o formato das práticas vivenciadas.
O planejamento é visto, dentro da revisão, como um documento de registro que possibilita que o conteúdo possa ser efetivamente trabalhado pelo professor. Esse planejamento não pode ser esquecido mediante sua flexibilidade, dadas às circunstâncias que podem aparecer nas aulas. Por isso os estudos reconhecem o programa de ensino e sua devida articulação com o projeto político pedagógico como um excelente caminho do ato de planejar.
Os estudos chamam a atenção também para sua importância (54,5%) especialmente quando se trata da motivação, pois as atividades propostas, bem planejadas, será o fio condutor de um processo de interação, de envolvimento de emoções, de apreensão do saber, por isso tão destacada nas pesquisas, que também afirmam a falta de domínio do professor sobre a especificidade do tema saúde.
Por último, no que diz respeito à avaliação, percebemos que esta é vista como algo que visa mensurar, medir o entendimento sobre algo, portanto, uma visão restrita acerca desta, onde as provas objetivas se tornam o recurso principal, faltando assim, um aprofundamento sobre o significado da avaliação, os instrumentos e critérios sobre os quais os alunos serão dignamente avaliados. Este ainda é um dos elementos constitutivos do processo de sistematização mais difíceis porque requer clareza e coerência sobre os fundamentos teóricos utilizados.


CONCLUSÕES

A análise sobre a produção acadêmica acerca dos saberes escolares em saúde evidenciou que as pesquisas não estão diretamente voltadas a este objeto de estudo, porém, todas as produções expressam indicativos do processo de constituição dos saberes, o que caracteriza uma aproximação ao tema.
Identificamos, sob diferentes olhares e concepções de saúde, escola, Educação Física, que estas produções apontam os saberes relacionados às doenças crônicas não transmissíveis, à prevenção de doenças, aos hábitos saudáveis, aos hábitos alimentares e seus distúrbios, à aptidão física, às questões posturais, à prescrição do exercício e fatores de risco, entre outros, como imprescindíveis para o conhecimento de crianças e jovens na escola.
No que diz respeito às concepções de saúde, identificamos que existem estudos que não explicitam sua conceituação, o que merece ser revisto. O conceito de saúde não é algo consensual nem no campo da Saúde em si, e muito menos na EFE, a qual tem o privilégio de transitar por diferentes áreas do conhecimento, problematizando-as em seu campo de intervenção, no caso a prática pedagógica.
Os estudos revisados mantém ainda aproximação com o entendimento de saúde como ausência de doenças, colocando a adoção de uma vida saudável como uma condição para o sujeito obter saúde, porém apontam a forte tendência em revisitar o conceito de saúde pelos vieses da saúde pública ou coletiva, nos quais as condições sociais, econômicas, culturais e políticas interferem diretamente na forma como o sujeito irá usufruir da saúde.
Desenvolver pesquisas no contexto da Educação Física Escolar e Saúde, exige um repensar dos conceitos, não só de saúde, como também dos fundamentos educacionais e pedagógicos que orientam a prática nas aulas de Educação Física, a fim de superar os fundamentos eugenistas e higienistas que durante anos orientou a prática da Educação Física sob os argumentos de melhorar a saúde, o que dará condições de provar a legitimidade do tema saúde nas aulas de Educação Física.
Para tanto, a defesa da saúde na atualidade da escola requer aprofundamento dos componentes da aptidão física, e sua relação com os mais diferentes aspectos (fisiológicos, biológicos, anatômicos, bioquímicos, biomecânicos), bem como das questões didático-metodológicas.
Isso demonstra que ainda há muito que se estudar sobre saúde e sobre as questões curriculares na EFE, mas os artigos analisados indicam que o debate vem se intensificando. Assim, reconhecemos que os saberes escolares em saúde, tem se configurado como um campo de investigação potencialmente importante.


REFERÊNCIAS

André, M. E. D. A. (2011). Etnografia da prática escolar (11ª ed.). Campinas, SP: Papirus.
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo (1ª ed.). São Paulo, SP: Edições 70.
Bento, T. (2014). Revisões sistemáticas em desporto e saúde: Orientações para o planeamento, elaboração, redação e avaliação. Motricidade, 10(2):107-123. Dói: 10.6063/motricidade.10(2).3699         [ Links ]
Betti, M., Ferraz, O. L., & Dantas, L. E. P. B. T. (2011). Educação Física Escolar: Estado da arte e direções futuras. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 25(n. esp), 105-115. Doi.:10.1590/S1807-55092011000500011        [ Links ]
Bouchard C., Shephard R. J., Stephens T., Sutton J. R., & McPherson B. D. (1990). Exercise, fitness, and health: the consensus statement. In: C. Bouchard, R. J. Shephard, T. Stephens, J. R. Sutton, & B. D. McPherson (Eds.) Exercise, Fitness, and Health: A Consensus of Current Knowledge (pp. 3-28). Champaign, Human Kinetics.         [ Links ]
Bracht, V. A. (1999). A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, 10(48), 69-88.         [ Links ]
Câmara, S. (2004). A constituição dos saberes escolares e as representações de infância na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930. Revista Brasileira de História da Educação (8), 159-180.         [ Links ]
Carvalho, N. A. (2012). Abordagem pedagógica de temáticas da saúde nas aulas de educação física escolar (Dissertação de Mestrado). Escola Superior de Educação Física, Universidade de Pernambuco (UPE), Recife/PE.
Castellani Filho, L. (2013). Educação física, esporte e lazer: Reflexões nada aleatórias (1ª ed.). Campinas, SP: Autores Associados.
Darido, S. C., Rodrigues, Ana Cristina B., & Sanchez Neto, L. (2007). Saúde, educação física escolar e a produção de conhecimentos no Brasil. In: XV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (pp.         [ Links ]26-34). Recife, PE.
Della Fonte, S. S., & Loureiro, R. (1997). A ideologia da saúde e a Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 18(2), 126-132. Doi: 10.1590/S0101-32892010000400009        [ Links ]
Gaya, A., Cardoso, M., Siqueira, O., & Torres, L., (1997) Crescimento e desempenho motor escolares de 7 a 15 anos provenientes de famílias de baixa renda: Indicadores para o planejamento de programas de educação física voltados à promoção da saúde. Movimento, 4(6), 1-24.         [ Links ]
Gomes, I. S., & Caminha, I. O. (2014). Guia para estudos de revisão sistemática: Uma opção metodológica para as ciências do movimento humano. Movimento, 20(1), 395-411.         [ Links ]
González, F. J, & fensterseifer, P.E. (2008) Dicionário crítico de educação física (1ª ed.). Ijuí: Unijuí.         [ Links ]
Guedes, D. P. (1999). Educação para a saúde mediante programas de educação física escolar. Motriz, Journal of Physical Education, 5(1), 10-14.         [ Links ]
Guedes, D. P., & Guedes, J. E. R. P. (1993a). Subsídios para implementação de programas direcionados à promoção da saúde através da Educação Física Escolar. Revista da Associação de Professores de Educação Física de Londrina, 8(15), 3-11.         [ Links ]
Guedes, D. P., & Guedes, J. E. R. P. (1993b). Educação física escolar: Uma proposta de promoção da saúde. Revista da Associação de Professores de Educação Física de Londrina, 7(14), 6-23.         [ Links ]
Ghiraldelli Júnior, P. (1995). A volta ao que parece simples. Revista Movimento, 2(2), 15-17.         [ Links ]
Minayo, M. C. S. (2010). O desafio do conhecimento (12ª ed.). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]
Moscovici, S. (2010). Representações sociais: Investigações em psicologia social (7ª ed.). Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]
Nahas, M. V. (2006). Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo (4ª ed.). Londrina: Midiograf.         [ Links ]
Nahas, M. V., & CORBIN, C. B. (1992a). Aptidão física e saúde nos programas de educação física: desenvolvimentos recentes e tendências internacionais. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 6(2), 47-58.         [ Links ]
Nahas, M. V., & Corbin, C. B. (1992b). Educação para a aptidão física e saúde: Justificativas e sugestões para implementação nos programas de educação física. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 8(3), 14-24.         [ Links ]
Rouquayrol, M. Z., & Goldbaum, M. (2003). Epidemiologia, História Natural e Prevenção de Doenças. In: M. Z. Rouquayrol, & N. Almeida Filho (Eds), Epidemiologia & saúde (6ª ed., pp. 15-30). Rio de Janeiro, RJ: MEDSI.
Saviani, D. (2009). A educação fora da escola – Saviani por ele mesmo [Entrevista concedida à Marcos Francisco Martins]. Revista de Ciências da Educação, (20), 17-27.         [ Links ]
Soares, C. L. (2005). Práticas corporais: invenção de pedagogias? In: A. N. Silva, & I. R. Damiani (Eds), Práticas corporais (1ª ed., pp. 43-64). Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte.         [ Links ]
Souza Júnior, M., Santiago, E., & Tavares, M. (2011) Currículo e saberes escolares: ambiguidades, dúvidas e conflitos. Pro-Posições, 22(1), 183-196.         [ Links ]
Souza Júnior, M., Melo, M., & Santiago, E.. (2010). A análise de conteúdo como forma de tratamento dos dados numa pesquisa qualitativa em educação física escolar. Movimento, 16(3), 31-49.         [ Links ]
Souza Júnior, M. (2009). Saberes escolares e educação física: o currículo como teoria e práticas pedagógicas. In: J. F. Hermida (Ed.), Educação Física: Conhecimento e saber escolar (1ªed., pp. 73-102). João pessoa, PB: Editora universitária da UFPB.
Thiollent, M. (2011). Metodologia da Pesquisa-ação (18ª ed.). São Paulo, SP: Cortez.
Valle, I. R. (2008). O lugar dos saberes escolares na sociologia brasileira da educação. Currículo sem Fronteiras, 8(1), 94-108.         [ Links ]
POR

João Paulo Oliveira1,2; Andréa Carla de Paiva3; Marcelo Soares Tavares de Melo1; Lívia Tenório Brasileiro1; Marcilio Souza Júnior1,


Conheça os Manuais para Professor de Educação Física
Tenha Atividades para Aulas de Educação Física
Trabalhe com Educação Física
Segue no Instagram!
Receba nossos links no Telegram e no Whatsapp .

Nenhum comentário