Artigo: Efeitos do exercício sobre os hormônios tireoideanos
O exercício físico tem por característica alterar diversas funções do organismo humano e muitos artigos descrevem sua ação sobre o sistema endócrino. Sabe-se que o exercício físico atua inibindo ou estimulando a secreção de hormônios, porém, o motivo pelo qual ocorre essa alteração não é elucidado (CANALI & KRUEL, 2001; CILOGLU et al, 2005). Alguns autores descrevem que todas as respostas endócrinas são diminuídas com o treinamento (CILOGLU et al, 2005; FISHER, 1996; MASTORAKOS & PAVLATOU, 2005). Além disso, alguns estudos mostram que mudanças na secreção de hormônios na resposta ao exercício físico não está apenas relacionada à intensidade de esforço muscular, mas também é influenciada pelo estresse térmico (DELIGIANNIS, 1993). A importância da participação de competições e programas de atividade física vem crescendo na vida de muitas pessoas, porém, a pressão sobre elas para que se alcance o melhor também cresce, o que acarreta em estresse físico e mental (PARDINI, 2001).
Objetivo
O objetivo desta revisão é descrever os efeitos do exercício físico, bem como do treinamento, sobre os hormônios tireóideos.
Hormônios tireoideos
A regulação da integração do metabolismo nos humanos é mediada por mensageiros químicos, denominados hormônios. Essas substâncias são produzidas em glândulas e transportadas através do sangue até chegarem a um órgão alvo (COSTANZO, 1999). A tireóide, primeira glândula descrita, foi inicialmente relacionada com funções de lubrificação da laringe e, posteriormente, na regulação do metabolismo energético (GUYTON, 1992).
A tireóide, localizada na face antero-cervical, é a glândula responsável pela produção dos hormônios tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) (CANALI & KRUEL, 2001; CILOGLU et al, 2005; FISHER, 1996). Apresenta grande dependência de iodo e tirosina para a produção hormonal (BOYAGES, 1993; LAMBERG, 1993) e tem sua regulação através de um eixo de contro hipotalâmico-hipofisário (CANALI & KRUEL, 2001; FISHER, 1996; KELLY, 2000; PARDINI, 2001).
No interior do folículo tireoidiano, o iodato é oxidado a iodo pelo peróxido de hidrogênio, sendo essa a organificação do iodeto. O iodeto se liga a posição 3 do anel de tirosil na reação catalizada pela enzima tireóide peroxidase, formando 3-monoiodotirosina (MIT). Uma subseqüente adição de outro iodo na posição 5 do resíduo de tirosil sobre MIT forma 3,5-diiodotirosina (DIT). O T4 é criado, então, pela condensação ou junção de duas moléculas de DIT. Dentro da tireóide, quantias menores de DIT podem também condensar com MIT para formar T3 ou T3r. Depois dos hormônios da tireóide serem formados estes são ligados a proteínas lisossomais como a tireoglobulina, que lançam os hormônios na circulação (KELLY, 2000).
Apenas 20% do T3 circulante é derivado da secreção tireoidiana, sendo o restante formado pela conversão periférica de T4, que acontece em diversos tecidos do corpo (FISHER, 1996; PARDINI, 2001). O T4 é considerado um pró-hormônio e, em sua maioria, é carreado pela globulina ligadora de tiroxina (TBG). Esse pró-hormônio sofre deiodinação gerando o T3, hormônio ativo (CANALI & KRUEL, 2001; FISHER, 1996).
No nível celular, a atividade dos hormônios tireoidianos é mediada pela interação com receptores nucleares de T3 (KELLY, 2000), presentes em cada tecido do corpo (PARDINI, 2001). Os efeitos metabólicos dos hormônios tireóideos surgem quando eles ocupam receptores específicos evocando subseqüentes efeitos sobre a expressão dos genes intracelulares. É estimado que uma célula precisa de cinco a sete vezes mais T4 para se ligar nos receptores nucleares e ter um efeito fisiológico, comparado com o T3 (KELLY, 2000). Esses hormônios têm a ação sobre a síntese protéica e enzimática, aumentando o tamanho e número de mitocôndrias na maioria das células, elevando a atividade contrátil do coração, promovendo absorção rápida da glicose e incrementando a glicólise, a glicogenólise, a gliconeogênese e a mobilização de lipídeos, acelerando, assim, o metabolismo (CANALI & KRUEL, 2001; CILOGLU et al, 2005).
Outro hormônio formado por uma via alternativa do T4 é o T3 reverso (T3r), considerado inativo. Essa via ocorre em certos estados fisiológicos ou patológicos, como no estresse. Não é bem esclarecida a função do T3r, porém, sabe-se que o desvio do metabolismo do T4 para essa via alternativa é poupador de energia (CANALI & KRUEL, 2001; PARDINI, 2001). De acordo com Kelly (ANO), o T3r deve ser destituído de atividade hormonal, porque pode ter ação inibitória competitiva à atividade do T3 ao nível celular. Dados experimentais também sugerem que T3r tenha atividade inibitória sobre 5`deiodinase, sugerindo que isso deva também interferir diretamente com a geração de T3 para T4. Em condições normais, 45-50% da produção diária de T4 é transformada em T3r (KELLY, 2000).
Tireóide e exercício
Segundo alguns autores, a secreção de TSH é possivelmente aumentada durante o exercício (CANALI & KRUEL, 2001; FISHER, 1996; PARDINI, 2001). Essa estimulação pode ser explicada pela necessidade do corpo de aumentar seu metabolismo para praticar o exercício (CANALI & KRUEL, 2001). Os níveis de TSH permanecem elevados por diversos dias após uma competição e promove um aumento tardio da liberação de T3 e T4 (CANALI & KRUEL, 2001; CILOGLU et al, 2005; PARDINI, 2001). De acordo com Canali & Kruel (2001), seções de exercício submáximas prolongadas fazem com que o T4 permaneça 35% mais elevado do que os níveis de repouso, depois de um pico inicial no começo do exercício, e os níveis de T3 tendem a aumentar também. Já segundo Pardini (2001), ocorre maior deiodinação do T3 durante o exercício, entretanto seus níveis séricos não se alteram.
Um estudo feito por Deligiannis (1993) observou a variação de TSH, T4 e T3 após 30 minutos de natação em atletas, em três diferentes temperaturas da água (20ºC, 26ºC e 32ºC). Neste estudo foi demonstrado que o TSH aumentou aos 20ºC, manteve-se aos 26ºC e diminuiu aos 32ºC. Esse fato pode ser explicado devido à necessidade de maior energia em condições mais frias (CANALI & KRUEL, 2001). O T4 livre (T4L) dos atletas teve uma resposta semelhante ao TSH, aumentando aos 20º e 26ºC e diminuindo aos 32ºC. Já o T3 não apresentou mudanças significativas após as três séries de exercício.
Conforme Pardini (2001), homens atletas apresentam um aumento da secreção e degradação do T4 comparados a indivíduos sedentários, porém, o T4 livre não se altera com o exercício. Quanto às mulheres atletas, quando feito um treinamento de endurance, tem-se uma diminuição da função tireoidiana, com níveis diminuídos de T3 e hiper-resposta do TSH ao estímulo com TRH. Outro fato observado é que atletas mulheres com perda de peso excessiva e amenorréia pelo estresse crônico causado pelo exercício, podem apresentar uma supressão dos hormônios tireoidianos, o que pode levar à síndrome do T3 baixo, onde há a predominância do T3r (CILOGLU et al, 2005; MASTORAKOS & PAVLATOU, 2005; PARDINI, 2001). Uma hipótese proposta para explicar este mecanismo de acordo com Mastorakos & Pavlatou (2005), é através da ativação de NF-kappaB por norepinefrinas, resultando na inativação do gene de expressão de enzima T3-dependente-5'-deidodinase.
Cigolou et al (2005) apresentou um estudo feito com atletas em ciclo ergômetro no qual foram realizadas baterias de exercício a diferentes intensidades de freqüência cardíaca máxima (FCmáx): baixa (45%), moderada (70%) e alta (90%). A cada três minutos foram realizadas coletas de sangue para dosagem de T4, T3, T4 livre, T3 livre e TSH e a intensidade foi aumentando. O aumento máximo de todos os hormônios excerto do TSH foi observado no nível limite aeróbico (70% da FCmáx). O TSH aumentou quase linearmente durante as três seções. O T4 e T4 livre aumentaram significativamente na intensidade submáxima quando comparado a 45%. Já T3 e T3 livre aumentaram a 70%, porém decresceram a 90%, chegando a quase o mesmo nível do observado a 45% da freqüência cardíaca máxima. Os níveis de TSH permaneceram altos pelos 15 minutos subseqüentes ao exercício, isso talvez para aumentar os níveis de hormônios tireóideos necessários durante o exercício.
Segundo Mastorakos & Pavlatou (2005), o exercício representa um estresse físico que altera a homeostasia, em resposta a esse efeito, o sistema autônomo reage e participa para manter o estado de equilíbrio do organismo humano. Entretanto, o condicionamento físico é associado com uma diminuição da resposta hipofisiária ao exercício, como demonstrado por Miller et al, (1988), que realizou um estudo com homens com seis meses de treinamento endurance, onde foi relatado que as concentrações de T4 e T4 livre foram pouco diminuídas, não havendo alteração do TSH. Outro estudo feito por Pakarinen (1991), relatou os efeitos de uma semana de treinamento de força intenso sobre os hormônios da tireóide em levantadores de peso, onde foi demonstrada uma diminuição do TSH, T3 e T4, enquanto T4 livre, T3r e TBG mantiveram-se inalterados.
Conclusão
Podemos observar que todos os autores concordam que existem alterações nos níveis séricos dos hormônios tireoidianos durante uma seção de exercício. Essa observação deve-se ao fato da maior necessidade energética das células durante a atividade. Porém, muitos também concordam que essa atividade da tireóide diminui com o treinamento, talvez pela adaptação do organismo.
Sendo os resultados ainda controversos, não se pode avaliar ao certo qual o efeito do exercício sobre a função tireoidiana, devido a isto, são necessários mais estudos experimentais visando buscar as alterações dos hormônios tireoidianos durante o exercício. Além disso, devem ser feitos trabalhos com diversos tipos de exercício, visto que o esforço e ambiente envolvidos podem modificar drasticamente o resultado da pesquisa.
Referências
- BOYAGES, S.C. Clinical review 49: Iodine deficiency disorders. J Clin Endocrinol Metab. 77(3): 587-591; 1993.
- CANALI, Enrico S.; KRUEL, Luiz Fernando M. Respostas hormonais ao exercício. Rev Paul Educ Fís. 15(2): 141-153; 2001.
- CILOGLU, Figen et al. Exercise and its effects on thyroid hormones. Neuroendocrinology Letters. 26(6): 830-834; 2005.
- COSTANZO, L.S. Fisiologia. Ed Guanabara Koogan S.A.: Rio de Janeiro, RJ; p.307-360, 1999.
- DELIGIANNIS, A et al. Plasma TSH, T3, T4 and cortisol responses to swimming at varying water temperatures. Br J Sp Med. 27(4): 247-250; 1993.
- FISHER, Delbert A. Physiological variations in thyroid hormones: physiological and pathological considerations. Clinical Chemestry. 42(1): 135-139; 1996.
- GUYTON, A.C. Tratado de Fisiologia Médica. Ed Guanabara Koogan S.A.: Rio de Janeiro, RJ; p.731-738, 1992.
- KELLY, G.S.Peripheral Metabolismo of Thyroid Hormones: A Review. Alternative Medicine Review. 5(4): 306-333; 2000.
- LAMBERG, B.A. Iodine deficiency disorders and endemic goitre. Eur J Clin Nutr. 47(1): 1-8; 1993.
- MASTORAKOS, G; PAVLATOU, M. Exercise as a stress model and the interplay between the hypothalamus-pituitary-adrenal and the hypothalamus-pituitary-thyroid axes. Horm Metab Res. 37(9): 577-84; 2005.
- MILLER, R.G. et al. Nuclear magnetic resonance studies of high energy phosphotates and pH in human muscle fatigue. Comparison of aerobic and anaerobi exercise. J Clin Invest. 81: 1190-1196; 1988.
- PARDINI, Dolores P. Alterações Hormonais da Mulher atleta. Arq Bras Endocrinol Metab. 45(4): 343-351; 2001.
- PAKARINEN, A.; HAKKINEN, K; ALEN, M. Serum thyroid hormones, thyrotropin and thyroxin biding globulin in elite athletes during very intense streght training in of one week. J Sports Med Phys Fitness. 31: 142-6; 1991.
Júlia Puffal* | Jordana Tochetto Lizot*
Juliana Comerlato* | Karen Bazzo*
Manoela Tressoldi Rodrigues* | Vinícius Vieira*
Gustavo Müller Lara**
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