Consumidor de baixa renda já frequenta academia de ginástica
Operar uma academia a preços populares está longe de ser um negócio fácil.
Mulheres são a maioria nas academias que atendem o consumidor de baixa renda.
Depois de encher a geladeira e comprar sua TV de tela grande, o consumidor de baixa renda está frequentando academias de ginástica - o que antes era considerado luxo, já cabe no orçamento. Empresas veteranas estão investindo nesse público. E, em favelas e bairros de periferia, moradores veem na prática da atividade física uma oportunidade de trabalho.
"Está crescendo o número de professores de educação física na periferia, que trabalham como instrutores em três ou quatro empregos para conseguirem abrir suas próprias academias", diz Renato Meirelles, diretor da consultoria Data Popular. As classes C, D e E representam 66% dos 4,2 milhões de brasileiros que frequentam academias de ginástica, segundo estudo do instituto realizado no último trimestre de 2010. A fatia das classes D e E é de 14%.
O preço, observa Meirelles, depende do perfil do usuário. "Pode ser entre R$ 40 e R$ 50, mas se for algo muito importante para a pessoa, ela pode pagar até R$ 150, apesar de ficar apertado".
O mercado de academias foi construído no mundo para o público de alta renda. "Sempre foi coisa de rico", diz Waldyr Soares, presidente da Fitness Brasil, que acompanha o setor há 30 anos. "Na cabeça de muita gente não tinha importância e, na crise, a academia era a primeira a ser cortada do orçamento". Nos últimos anos, houve uma mudança cultural e a academia deixou de ser associada somente ao culto ao corpo. Passou a significar bem-estar. Segundo o Conselho Federal de Educação Física (Confef), o Brasil tem hoje 19.681 academias de ginástica registradas - um dos maiores mercados mundiais desse segmento.
Nos últimos anos, a sociedade brasileira começou a perceber, diz Soares, que vai viver mais e quer viver melhor. E essa percepção já chegou à baixa renda, em especial às mulheres, que são maioria nas academias.
Quando se formou em educação física, há 20 anos, Gilson Clemente, morador da favela de Paraisópolis, na zona sul paulistana, se sentia um estranho no bairro. Naquela época, era difícil ter um universitário na comunidade. Um semestre após concluir a graduação, ele construiu um "puxadinho" de 30 m 2 junto ao mercadinho aberto pelo pai. Nascia a Gilson Clemente Academia (GCA). Hoje, funciona em um galpão nos fundos do terreno, tomou o espaço da garagem e ocupa dois andares. São 350 m2.
A comerciante Lidiane Barreto mora e trabalha em Paraisópolis e frequenta a GCA cinco dias por semana a mensalidade do plano anual custa R$ 59 ou R$ 34, para quem traz mais um aluno. De 2008 para cá, o número de alunos dobrou e atualmente é de 320. No primeiro semestre deste ano, o faturamento foi de R$ 105 mil.
Com o aumento da demanda, Clemente teve que esticar gradualmente os horários. A academia que funcionava somente quatro horas diárias, desde o ano passado abre as portas às 6h e fecha às 22h.
"Eu percebi que essa classe que eu atendo hoje tem um padrão de vida um pouco melhor. A diarista antigamente tinha o dinheiro contado. Hoje consegue comprar uma roupa e um tênis diferentes, pagar cursos de inglês para os filhos", diz Clemente. Ele estima que sua clientela tenha renda a partir de um salário e meio. Entre ela, está Josefa Jesus. Ninguém passa pela GCA sem cumprimentar essa trabalhadora doméstica de 41 anos, que há um ano e meio frequenta o lugar.
"Academias em bairros de baixa renda têm uma atmosfera de clube", diz Clemente. São encaradas como espaços de convívio social. Depois da jornada de trabalho de oito horas diárias, Josefa volta para casa, também em Paraisópolis, troca de roupa e passa cerca de duas horas "malhando". Às vezes também se exercita aos sábados, quando faz bico como manicure. "Fiquei mais jovem e melhorei a autoestima", diz Josefa.
O consultor em gestão de academias de Campinas Rafael Uliani explica que, ao contrário da classe A, que prefere exclusividade, nas academias de bairro o apelo sócio-afetivo é preponderante. Dados do Data Popular indicam que, entre os praticantes de atividades físicas em grupo, 44% estão na base da pirâmide e 14%, no topo.
Fundada há 10 anos, a academia 100% Heliópolis cobra mensalidade de R$ 50. Os clientes têm renda média de R$ 700. Instalada na maior favela de São Paulo, a de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, a academia passou por uma grande transformação há três anos, quando mudou de endereço e ganhou novas instalações de alvenaria. Até então, era um galpão de madeira instalado, de forma ilegal, à beira do córrego, com 100 alunos.
Agora, está instalada na entrada da comunidade, que abriga cerca de 100 mil moradores, e tem 250 alunos. "A inadimplência é praticamente zero. A maioria das pessoas que mora na região tem casa que ganhou da prefeitura, não paga aluguel. Por isso, tem condições para pagar academia", diz Sílvia Gama, mulher de Ezequiel Silva, dono da 100% Heliópolis.
No Rio de Janeiro, vender bem-estar para a baixa renda é um negócio em expansão. O carioca Mário Villas Boas, de 53 anos, já foi proprietário de 16 academias e hoje tem quatro, todas no Rio. Localizadas nos bairros Vista Alegre, Rocha Miranda, Botafogo e na Ilha do Governador, elas cobram mensalidades diferentes. A mais barata fica em Rocha Miranda (R$ 45); e a mais cara, em Botafogo (R$ 165). A próxima, a ser aberta na favela Para-Pedro, em Irajá, no subúrbio carioca, terá um tíquete ainda mais barato, entre R$ 35 e R$ 40.
Kleber Pereira, presidente da Associação Brasileira de Academias (Acad), observa que as academias que conseguem oferecer um preço mais popular, em geral, não oferecem ambiente climatizado, tem equipamentos mais simples e não há aulas em grupo. Pereira, por sua vez, também está investindo numa filial mais em conta. Em sua academia Quality Fitness, a mensalidade é de R$ 130. Para competir com três concorrentes que se instalaram na mesma região (em Vila da Penha, na zona norte do Rio) e cobram a metade desse preço, o novo ponto cobrará R$ 70.
Mas operar uma academia a preços populares está longe de ser um negócio fácil. Quando o empresário paulista Edgar Corona, dono da marca Bio Ritmo, lançou a marca de preços mais econômicos Smart Fit, em 2009, foi apontado como pioneiro na popularização das academias no país. Mas ele diz, agora, que o conceito ainda está em fase de testes e que as classes emergentes não são o foco. A mensalidade da Smart Fit vai de R$ 49 a R$ 99. As 16 unidades em funcionamento estão, principalmente, em redutos das classes A e B e em bairros de classe média do Distrito Federal, do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre.
Corona diz que, com mais unidades (a meta é ter 50 até o fim de 2012) e custos menores, poderá atingir a classe C. Também é em 2012 que a rede Smart Fit, hoje deficitária, pode se tornar lucrativa. Uma unidade acaba de abrir as portas em Ceilândia, cidade-satélite do Distrito Federal, com mensalidades de R$ 49 a R$ 69. Segundo o empresário, é a primeira voltada para a classe C. "Estamos fazendo um teste", diz.
O grupo Bodytech, que nasceu para atender o consumidor de renda mais alta, também vai segmentar suas marcas para chegar à classe C. As academias Fórmula, parte da rede Bodytech e agora abertas a franqueados, terão espaço físico médio de 600 m2 e mensalidade entre R$ 89 e R$ 149.
Espaços como o do Shopping Eldorado, em São Paulo, onde se paga quase R$ 600 mensais, estão sendo reformados para virar A!Bodytech, que continua voltada para a classe A. As "novas Fórmula" têm estrutura semelhante, com os mesmos equipamentos e aulas, mas sem sauna ou piscina, diz Mario Esses, presidente da Fórmula. O investimento no plano é estimado em R$ 50 milhões.
Em dois meses da operação, a nova marca já tem duas franquias em Copacabana, no Rio de Janeiro, vai abrir duas na Tijuca, na Zona Norte carioca e em cidades como São Gonçalo e Duque de Caxias. O ABC paulista e capitais como Curitiba, Florianópolis, Fortaleza e São Luiz vêm na sequência. Até o fim deste ano, a meta é ter 16 Fórmula franqueadas, 5 próprias e 34 A!BodyTech. A expectativa, segundo Esses, é chegar em 2015 com 120 franquias e 40 Fórmulas próprias.
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