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Recomendações práticas para a ingestão de líquidos em lutadores


    A demanda hídrica durante treinamentos para lutadores pode ser superior às demais modalidades desportivas, uma vez que neste tipo de modalidade, a vestimenta utilizada pelos atletas muitas vezes dificultam a evaporação do suor (BRITO; MARINS, 2005). Os principais pontos de perda de calor corporal são as mãos, pés e cabeça (MARINS, 2000). Na maioria das modalidades de luta estes locais fica descoberto, o que facilita a perda de calor corporal. No entanto, em algumas modalidades são utilizados protetores em pelo menos um destes três sítios, enquadram neste tipo de modalidade o boxe, tae-kwon-do e caratê.

    Além disso, os uniformes utilizados em muitas das modalidades de luta contribuem para o acúmulo de calor corporal, o que resulta no aumento da temperatura corpórea. Neste sentido merecem atenção especial os lutadores de judô e jiu-jitsu, pois os uniformes utilizados nestas modalidades impõem elevado estresse térmico aos atletas. Os quimonos destas modalidades são feitos de algodão trançado, para adultos o uniforme pesa em média 3kg, isto quando estão secos, a medida que o atleta se desidrata durante um treinamento os uniformes tendem a pesar cada vez mais (Brito e Marins, 2005). A Tabela 1 apresenta as características de alguns materiais utilizados para a confecção de equipamentos desportivos.

Tabela 1.  Efeitos térmicos proporcionado pelos tecidos que compõe o uniforme dos lutadores.

    Apesar de não serem observadas diferenças significativas, nota-se na Tabela 1, que o algodão, material utilizado para a confecção dos quimonos, sujeita o lutador a maior temperatura corporal, Índice de Percepção do Esforço e freqüência cardíaca. Assim, não havendo atenção especial com a reposição hídrica o atleta tende a sofrer uma desidratação progressiva, o que pode afetar o desempenho do atleta.

    Além do estresse térmico imposto pelo equipamento, o ambiente também contribui para o aumento das necessidades de reposição hídrica durante os treinamentos de lutas. Os locais de treinamentos são fechados e muitos não dispõem de equipamento de refrigeração, fazendo com que a perda do calor corporal durante o treino seja dificultada (BRITO, 2005).

    Brito e Marins (2002) observaram o variação do peso corporal de judocas em um treinamento com duração aproximada de 100 minutos (início 18:00 horas e término às 19:40 horas), onde a temperatura variou entre 28,7 e 26,8°C e umidade relativa do ar entre 57 e 51%. No dojo onde ocorreu o treinamento não havia janelas e nem refrigeração. A diferença absoluta de peso observada entre o início e fim do treinamento foi de 1,75kg ± 0,41, sendo que, aproximadamente 20% dos atletas terminaram o treinamento com desidratação superior a 2%.

    Em outro estudo com judocas, Brito (2005) observou desidratação absoluta próxima a 4% em um treinamento com duração de 120 minutos (início 9:00 horas e término às 11:00 horas). O treinamento foi realizado em ambiente com pouca ventilação. A variação da temperatura e umidade relativa do ar é apresentada na Tabela 2.

Tabela 2. Variação da temperatura e umidade relativa do ar ao longo da sessão de treinamento.

    Apesar do maior tempo de atividade no segundo estudo (120 minutos), observou-se grande diferença entre o percentual de desidratação alcançado pelos atletas entre os estudos. No primeiro estudo (BRITO e MARINS, 2002) apesar da temperatura mais elevada, a umidade relativa do ar permaneceu mais baixa, facilitando a evaporação do suor. No segundo, apesar da temperatura mais amena a umidade permaneceu mais elevada, o que dificulta a conversão do suor em vapor de água, fazendo com que a perda hídrica fosse maior.

    É importante destacar que a diferença entre a desidratação observada nos estudos não resultou somente da maior umidade observada no segundo, pois, os treinamentos foram realizados em populações, intensidades e períodos do dia diferentes.

Influência negativa da desidratação no desempenho

    Como as competições de lutas são categorizadas pelo peso corporal, muitos atletas utilizam de desidratação forçada para se encaixarem na categoria de peso inferior (FABRINI et al., 2002; OPPLIGER et al., 2003). Seja forçada para a perda de peso (OPPLIGER et al., 2003) ou decorrente do treinamento (BRITO, 2005) a desidratação resulta em diversos efeitos adversos ao desempenho desportivo e a saúde como: diminuição do volume plasmático; aumento da freqüência cardíaca sub-máxima; redução do débito cardíaco; redução do volume sistólico; aumento do fluxo sanguíneo cutâneo; diminuição da produção de suor; redução do fluxo sanguíneo nos músculos ativos; decréscimo do fluxo sanguíneo no fígado; aumento da concentração de lactato; aumento do Índice de Percepção de Esforço (IPE); redução do tempo total de realização do exercício; diminuição do VO2max; aumento da temperatura retal; diminuição da pressão arterial; diminuição do rendimento mental; alterações gastrintestinais; aumento da osmolaridade sanguínea; maior solicitação do glicogênio muscular; lesões por calor; maior risco de hipertermia; e maior incidência de câimbras (MARINS et al., 2000).

Recomendações para lutadores

    Baseado nos pressupostos descritos anteriormente e efeitos negativos da desidratação no desempenho, sugere-se a seguir diferentes estratégias que podem ser adotadas nas diferentes modalidades de lutas.

Treinamento

    Em geral os treinamentos de lutas apresentam sessões que variam entre 90 e 120 minutos, isto faz com que a estratégia de reposição hidro-energética a ser adotada entre as modalidades seja similar.

Competições

Antes do treino

    Um método simples de estabelecer a taxa ideal de reposição hídrica é pesar os atletas antes e depois dos treinos. A demanda de reposição hídrica poderá ser estabelecida pela seguinte equação:

Reposição(L)=[massa corporal final(kg) – massa corporal inicial(kg)]

    A coloração da urina também pode ser utilizada para verificar a necessidade de reposição antes do treino. Caso a coloração da urina se apresente escura o lutador deve consumir pelo menos 400mL de líquidos antes de iniciar o treino.

    Treinamentos das modalidades de luta são caracterizados por predominância aeróbica, com picos de atividade anaeróbia lática e alática (DEGOUTTE et al., 2003). Desta forma, o consumo de solução carboidratada pode ser benéfico para o desempenho, uma vez que nos picos de atividade anaeróbia lática demanda-se maior catabolismo de glicose (DEGOUTTE et al., 2003; DEGOUTTE et al., 2004).

Durante o treino

    Ao longo do treinamento, a reposição hídrica será fundamental devido o estresse térmico advindo da modalidade como discutido anteriormente. A reposição hídrica deve ser realizada á medida em que os líquidos corporais são perdidos durante o treinamento. Brito (2005) observou perda hídrica próxima a 1,6 litros por hora durante o treinamento de judô. Nesta cota de desidratação a reposição deve girar em torno de 400mL a cada 15 minutos de treinamento.

    Quando a perda hídrica for inferior a 500mL/hora, a reposição energética pode ocorrer na forma de gel, uma vez que estes são absorvidos rapidamente e não causam perturbação gástrica (LAROSA, 2005).

Após o treino

    O consumo de gel pode ser recomendado após o treino, quando a sessão ultrapassar 90 minutos de duração, este tipo de estratégia visa acelerar a reposição do glicogênio (LAROSA, 2005). O consumo de carboidratos complexos em excesso não é recomendado nos primeiros 30 minutos pós-atividade, uma vez que modalidades de lutas requerem elevado metabolismo muscular tanto de membros superiores, quanto inferiores (FRANCHINI, 2001). Esta intensa atividade resulta em grande desvio do fluxo sanguíneo para regiões de maior demanda energética, reduzindo o fluxo sanguíneo para o trato-gastrintestinal (MARINS, 2000).

    Após o treino, recomendam-se a adição de pequena quantidade de aminoácidos as soluções de reidratação, uma vez que em modalidades como o judô, ocorre significativo catabolismo de proteínas durante o treino (DEGOUTTE; JOUANEL; FILAIRE, 2003; DEGOUTTE; JOUANEL; FILAIRE, 2004). Os aminoácidos adicionados podem ser BCAA's, glutamina e arginina, uma vez que o treinamento de judô mostrou deprimir o sistema imunológico dos atletas (BRITO, 2005). Para as demais modalidades de luta ainda não foram realizadas tais observações, entretanto, como os treinos têm duração similar, as demandas energéticas podem se equivaler.

    Diferentemente dos treinamentos das modalidades de lutas, durante as competições o tempo de atividade varia consideravelmente, uma vez que, em diversas modalidades, uma técnica aplicada com perfeição determina a vitória sobre o oponente. Enquadra neste tipo de luta a maioria das modalidades praticadas no Brasil, como caratê, judô, jiu-jitsu, boxe, tae-kwon-do, kick-boxe. Assim sendo, a estratégia de reposição hidro-energética varia de acordo com o nível dos lutadores. Uma luta para faixas marrons no jiu-jitsu, por exemplo, pode alcançar 7 minutos caso não haja finalização. Por outro lado, uma rápida finalização pode ocorrer com menos de 1 minuto de luta. No primeiro caso, o atleta possivelmente necessitará repor parte dos líquidos durante o intervalo para a próxima luta, no segundo caso, dificilmente o atleta necessitará repor líquidos, uma vez que o esforço desprendido não aumentará a produção de calor a ponto de produzir desidratação significativa. Serão apresentadas a seguir estratégias de acordo com as características das modalidades:

Judô e jiu-jitsu

    Neste tipo de competição, o tempo de duração das lutas varia de acordo com o sexo, idade e nível de graduação dos atletas. Judocas adultos competem 5 minutos de luta independente do nível de graduação. Lutas de jiu-jitsu para faixa preta apresentam duração total de 9 minutos. Cabe destacar que em ambas as modalidades o cronômetro é parado assim que o arbitro solicite, sendo estas interrupções mais freqüentes na luta de judô, fazendo com que o tempo total de luta ultrapasse 9 minutos.

    Para estas modalidades, o consumo de líquidos antes e durante os intervalos de lutas é recomendado, uma vez que o atleta não poderá se reidratar durante a luta. Não havendo desgaste muito elevado, como nas lutas definidas em menos de 1 minuto, o atleta não necessitará repor energia. Após as lutas, mesmo o atleta eliminando rapidamente os adversários, o tempo total da competição (lutas + intervalos), facilmente ultrapassa 60 minutos. Fazendo com que a necessidade de reposição líquida do lutador seja aumentada após a competição.

    Após as competições destas modalidades recomenda-se também o consumo de pequena quantidade de aminoácidos adicionados à solução de reposição hidro-energética. Atenção especial deve se dada aos primeiros 30 minutos pós-competição, pois o consumo de carboidratos de fácil absorção (bebida carboidratada e gel) neste período será fundamental para a rápida recomposição do glicogênio.

Caratê, tae-kwon-do, kick-boxe e boxe

    Antes das competições, assim com nas modalidades citadas anteriormente, o consumo de carboidratos é recomendado nos minutos que antecedem as lutas para se maximizar os estoques de energia. Nestas modalidades os atletas e treinadores podem estabelecer estratégias de reposição durante os combates, uma vez que estes são divididos em rounds, aproximadamente 200mL de líquidos podem ser ingeridos durante o intervalo sem que haja comprometimento ao esvaziamento gastrintestinal. Após as competições, a reposição hidro-energética pode ser similar à adotada pelas modalidades de judô e jiu-jitsu.

Considerações finais

    A ausência de reposição hídrica afeta a capacidade de desempenho de lutadores durante os treinamentos ou competições. Dependendo da duração da atividade a reposição energética também se faz necessária. Neste sentido, a adoção de estratégias de reposição hidro-energética por parte dos lutadores e treinadores auxiliará no aprimoramento da capacidade e desempenho, o que pode ser o diferencial quando o nível técnico dos atletas se equivale.

Referências bibliográficas

  • BRITO, C.J. Hábitos de Hidratação em judocas. 2002. 69f. Monografia (Licenciatura e Bacharelado de Educação Física). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2002.

  • BRITO, C.J. Hidratação com ou sem carboidratos durante o treinamento de Judô. 2005. 99f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Nutrição). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2005.

  • BRITO, C.J., MARINS, J.C.B. Mensuração de reposição hídrica durante o treinamento de Judô. Anais do XVII Congresso Brasileiro de Nutrição, Porto Alegre: p. 81, 2002.

  • BRITO, C.J.; MARINS, J.C.B. Caracterização das práticas de hidratação em judocas do estado de Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v.13, n.2, p.59-74, 2005.

  • DEGOUTTE, F. ; JOUANEL, P. ; FILAIRE, E. Mise en Évidence de la solicitation du cycle des purines nucleotides lors d'un combat de judo. Science & Sports v.19, n.1, p.28-33, 2004.

  • DEGOUTTE, F.; JOUANEL, P.; FILAIRE, E. Energy demands during a judo match and recovery. British Journal of Sports Medicine. v.37, n.3, p.245-9, 2003.

  • FABRINI. S.P.; BRITO, C.J.; MENDES, E.L. Revista Brasileira de Ciência e Movimento v.10, n.4 (supl.), p.138, 2002.

  • FRANCHINI E. Judô: Desempenho competitivo. 1ª ed. Manole, 2001.

  • LAROSA, G. Carbo Gel: como, quando e por que consumir? Fitness & Performance Journal, v.4, n.6, p.318, 2005.

  • MARINS, J.C.B. Estudio comparativo de diferentes procedimientos de hidratación durante un ejercicio de larga duración. 2000. 496f. Tese (Doutorado em Bases Fisiológicas da Nutrición Humana) – Departamento de Fisiología y Farmacología, Universidad de Murcia, Murcia, 2000.

  • MARINS, J.C.B.; DANTAS, E.H.; ZAMORRA NAVARRO, S. Deshidratación y ejercicio físico. Seleción v.9, n.3, p.149-63, 2000.

  • OPPLIGER, R.A.; NELSON STEEN, S.A.; SCOTT, J.R. Weight loss practices in college wrestlers. International Journal of Sports Nutrition and Exercise Metabolism, v.13, n.1, p.29-46, 2003.




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