Educação Física Escolar, avaliação e organização do trabalho pedagógico
Nosso interesse pelo tema a ser abordado vem do fato de que, quando falamos em avaliação, percebemos a falta de entendimento de sua dialética no processo pedagógico. Dentro do contexto do processo de ensino e aprendizagem, avaliação sempre foi um mito1; raramente discutida em reuniões pedagógicas, sala de aula ou informalmente entre colegas. Muitos educadores numa concepção errada/distorcida entendem a avaliação apenas como um fim e não enquanto uma possibilidade de constantes interrogações do jogo2 educativo.
Neste processo pedagógico, encontra-se a área da Educação Física que apresenta seus procedimentos avaliativos nas mais diferentes visões. Dentre elas, a visão que se apresenta dominante, e, para isso, usamos a referência de Coletivo de Autores (1992), que é aquela que tem recaído nos métodos e técnicas usadas, onde se criam testes, materiais e sistemas, estabelecendo-se critérios com fins classificatórios e seletivos. Uma realidade em que: "o significado é a meritocracia, a ênfase no esforço individual. A finalidade é a seleção. O conteúdo é aquele advindo do esporte e a forma são os testes esportivos-motores" (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.101). Acreditamos que a esta realidade junta-se a prática de avaliar baseada no senso comum, ou seja, sem critérios estabelecidos, de maneira aleatória, totalmente fora do processo de ensino (quando este existe).
O ato de avaliar reflete a forma como entendemos determinadas dimensões da prática social como um todo. Concordamos com Freitas (2005) que a avaliação incorpora objetivos ocultos do processo de ensino, motivados pela função social que é atribuída à escola. Nesse sentido, o autor coloca a necessidade de entendermos a relação estabelecida entre a organização do trabalho pedagógico e a organização do trabalho produtivo, que se expressa nas categorias objetivo/avaliação do ensino (trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula) e objetivo/avaliação da escola (organização do sistema escolar como um todo). Isso significa que o par dialético, objetivo/avaliação, direciona o desenvolvimento do conteúdo/método, outro par dialético importante no ato de ensinar. No par dialético objetivo/avaliação são depositados, tanto os objetivos de conteúdo, como os objetivos ligados a valores e atitudes, esses informados pela função social da escola incorporada na organização do trabalho pedagógico (ensino coletivo, seriação, homogeneização, etc...).
Para tanto, diante destas questões, esta proposta de estudo objetiva discutir o tema avaliação, especificamente no processo de conhecimento da Educação Física Escolar, buscando produzir conhecimento, no sentido de desvelar os determinantes que constituem o ato de avaliar.
Frente a esta discussão, o que se pretende deixar evidente é que a avaliação não se reduz a partes isoladas, que se desenvolve, ou no início, ou no meio, ou no fim, e sim que está relacionada com a totalidade do processo educativo, ou seja, deverá ter uma finalidade, um sentido, uma forma e um conteúdo. A avaliação, e para isso concordamos com Coletivo de Autores (1992), deve servir para indicar o grau de aproximação ou afastamento do eixo curricular fundamental, norteador do projeto pedagógico que se materializa nas aprendizagens dos alunos.
Este estudo, então, constitui-se em uma pesquisa teórica, onde através da tese defendida por Freitas (2005), que apresenta as categorias objetivo/avaliação enquanto expressão da relação entre a organização do trabalho pedagógico e a organização do trabalho material, discutimos os aspectos do processo de ensino da Educação Física, especificamente, a avaliação.
Utilizamos a dialética materialista como eixo metodológico norteador, tendo como ponto de partida e de chegada a avaliação, não perdendo de vista o processo pedagógico como um todo. A opção teórica à dialética materialista deve-se ao fato da mesma trazer consigo um projeto histórico que "enuncia o tipo de sociedade ou organização social e os meios que devemos colocar em prática para sua consecução. Implica uma cosmovisão. Mas é mais do que isto. É concreta, está amarrada a condições existentes e, a partir delas, postula meio e fins" (Freitas, 2005, p.57).
Primeiramente, realizaremos uma discussão, demonstrando a relação estabelecida entre a organização do trabalho pedagógico (trabalho não material) e a organização do trabalho produtivo (material). Em um segundo momento, a relação estabelecida no par dialético objetivo/avaliação e a sua interação com o par dialético conteúdo/método. À luz dessas reflexões discutiremos a relação do processo de ensino da Educação Física, especificamente a avaliação, com a organização do trabalho pedagógico. Finalizamos, reforçando a tese da necessidade de Educação Física, enquanto área de conhecimento, entender as relações entre a produção de conhecimento, seu uso na produção material e na educação.
2. A relação estabelecida entre a organização do trabalho pedagógico (trabalho não material) e a organização do trabalho produtivo (material)
Faz-se relevante, primeiramente, entendermos, de maneira sintética, o significado de expressões tais como: trabalho pedagógico e trabalho produtivo ou trabalho material, já que entendemos que a organização do trabalho pedagógico encontra-se intimamente relacionada com a organização do trabalho material, portanto, o problema da avaliação não se resolve no âmbito da avaliação formal, por exemplo, como fazer uma melhor prova. O problema de fundo, ao nosso ver, diz respeito a como o juízo que o professor faz do aluno afeta suas práticas em sala de aula e sua interação com esse aluno. Baseado em objetivos relacionados à organização do trabalho pedagógico e do trabalho produtivo, o professor constrói todo um processo interno de análise cuja manifestação final é a nota ou o conceito.
Freitas (2005) entende o trabalho pedagógico como a organização global do trabalho pedagógico da escola, como projeto pedagógico da escola, incluindo aí, o trabalho pedagógico que costuma-se desenvolver em sala de aula. Embora o trabalho pedagógico se caracteriza também como trabalho humano, situa-se, enquanto trabalho não material, aquele que para Saviani, apud Libâneo (1990), coincide com a produção de conhecimentos, idéias, conceitos, valores, símbolos, atitudes e habilidades. Já, o trabalho material ou produtivo, caracteriza-se, segundo Pistrak, apud Freitas (2005), enquanto uma atividade concreta, socialmente útil, no seio das relações produtivas.
Um dos grandes eixos desta problemática, diz respeito ao fato da escola apresentar-se separada do trabalho material, pois, segundo Freitas (2005), "a mediação do processo de ensino (aula) está centrada no trabalho não material, ao passo que separado do trabalho material não consegue dar conta da necessária vinculação entre o trabalho pedagógico e a produção material" (p.36). Apesar de ser o trabalho não material um de seus resultados finais, o confinamento da pedagogia a esta categoria reduz a dimensão a que se propõe, pois segundo Freitas "a atividade pedagógica é trabalho não material, mas não desenvolvido apenas na forma de trabalho não material (no caso a aula)" (p.37), pois qualquer forma de trabalho, significa "práxis de vida, isto é, objetivação dos homens no mundo, pelo qual superam sua condição de seres naturais e se convertem em seres sociais" (Mascarenhas, 2005, p. 407), portanto, relacionando dialeticamente teoria e prática.
Essa desvinculação entre trabalho material e não material é histórica, pois o moderno processo de desenvolvimento, baseado na propriedade privada dos meios coletivos de produção, que significa a apropriação do trabalho alheio, resulta também na apropriação privada do conhecimento. Neste âmbito, o preexistente vínculo entre conhecimento e ação é negado e dessa forma, as relações do sujeito com a natureza limitam-se às mais estritas necessidades corporais. Manacorda (1991), sob a direção do pensamento de Marx, sintetiza esse entendimento dizendo que o trabalhador tanto mais pobre se torna quanto mais produz riqueza, tanto mais desprovido de valor e dignidade quanto mais cria valores, tanto mais disforme quanto mais toma forma o seu produto, tanto mais embrutecido quanto mais refinado o seu objeto, tanto mais sem espírito e escravo da natureza quanto mais é espiritualmente rico, o trabalho.
Essa prática social, presente no trabalho, deixa visível o que Marx conceituou de trabalho abstrato, que significa aquele tipo de trabalho em que o trabalhador não tem relação significativa com o seu produto, ou seja, o trabalhador produz e não se apropria de sua produção, pois esta é apropriada pelo capitalista que comercializa e retira dela, o acúmulo do capital.
Tal qual essa lógica do trabalho material, o trabalho pedagógico é um permanente processo de alienação. O aluno, assim como o professor, como trabalhador do ensino, encontra-se alheio aos processos mais gerais da escola, pois não participa da gestão da escola como coletivo organizado, como também, não participa da organização dos objetivos, conteúdos e procedimentos avaliativos. Na sala de aula, a situação não é diferente. O aluno apropria-se do conhecimento, reproduzindo-o de maneira estanque, fragmentado, totalmente alheio a seu significado histórico e cultural. E isso se expressa de forma direta na avaliação. Como nos declara Everhart, apud Freitas (2005), O conhecimento escolar "é transformado em produto tangível ou mercadoria através de sua conversão em graus, pontos ou avaliações" (p.231).
Para Freitas (2005), a escola capitalista encarna objetivos, ou seja, funções sociais, adquiridas a partir da sociedade em que se encontra e encarrega os procedimentos avaliativos, em sentido amplo, de garantir o controle da consecução de tais funções. Para Mészaros (1981) a educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: 1) A produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia; 2) A formação de quadros e a elaboração dos métodos para um controle político. Além destas, destaca-se sua vocação elitista, ou seja, a escola capitalista não é para todos, é uma escola de classe. Este fato se evidencia quando comparamos o número de turmas existentes na primeira série do ensino fundamental e o número de turmas da última série do ensino médio. Sem dúvidas, o sistema escolar é piramidal.
Entendemos que a organização do trabalho pedagógico deve apresentar sua organização tendo como base a organização do trabalho com valor social. Para isso, Freitas nos diz que "o trabalho no interior da escola, enquanto base da educação, deve estar ligado ao trabalho social, à produção do real, a uma atividade concreta socialmente útil, sem o que perderia seu valor essencial, seu aspecto social reduzindo-se, de certa forma, à aquisição de algumas normas, ou procedimentos metodológicos capazes de ilustrar este ou aquele detalhe de um curso" (p.100).
Diante destas questões, passaremos a discutir a interação entre objetivo/avaliação e conteúdo/método.
3. A relação estabelecida no par dialético objetivo/avaliação e a sua interação com o par dialético conteúdo/método
Como nos declara Freitas (2005), a realidade escolar apresenta o conteúdo determinando a avaliação, no entanto, antes disso, o conteúdo já foi determinado pelos próprios objetivos globais da escola e pela própria organização da mesma e do sistema (programas, séries, bimestres, livro didático). A categoria avaliação, para Freitas (2005) "é a mais decisiva para assegurar a função social que a escola tem na sociedade capitalista. A avaliação e os objetivos da escola/matéria são categorias estreitamente interligadas. A avaliação é a guardiã dos objetivos. Os objetivos, em parte, são diluídos, ocultos, mas a avaliação é sistemática (mesmo quando informal) e age em estreita relação com eles" (p.59). O autor continua sua análise dizendo que, no cotidiano da escola, os objetivos são expressos nas práticas de avaliação. Na avaliação, estão concentradas importantes relações de poder que molduram a categoria conteúdo/método. Ou seja, os objetivos da escola como um todo (sua função social) determina o conteúdo/forma da escola. No plano didático, essa ação se repete e, à sua vez sedia relações de poder que são vitais, não só para o trabalho pedagógico na sala de aula, mas para a sustentação da organização do trabalho pedagógico da escola em geral – seja pela via disciplinar, seja pela via da avaliação do conteúdo escolar, ou das atitudes de valores. Deve-se considerar que os objetivos de que falamos não são apenas os explícitos, mas incluem os objetivos "ocultos" da escola interiorizados a mando do sistema social que a cerca. Sobre esta questão, Freitas (2005), fundamentado em Bourdieu e Passeron (1975) realiza uma interessante análise, ou seja, demonstra, através do par dialético eliminação/manutenção, o quanto a avaliação esconde o real movimento dos objetivos do capital. Vejamos como o autor sistematiza essa questão.
Eliminação e manutenção são conceitos contrapostos, que evidenciam possíveis resultados de uma luta de contrários no bojo da seleção que o sistema de ensino faz, pois eliminação explica-se pela manutenção e manutenção explica-se pela eliminação e ambas se articulam no conceito de seleção. Bourdieu e Passeron, apud Freitas (2005), apresentam à hierarquia escolar que os procedimentos convencionais de avaliação ocultam: 1) Manutenção propriamente dita: Entendida como a manutenção de indivíduos no sistema escolar a fim de prepará-los para governar e para assumir profissões nobres. Destinado aos filhos da média e da grande burguesia. 2) Manutenção adiada: Consiste na evasão por iniciativa própria ou por reprovação, onde os indivíduos são mantidos na escola à espera da reprovação na série seguinte. Destinado à classe de extrato econômico desfavorecida. 3) Eliminação adiada: revela um momento em que a manutenção vence provisoriamente, a fim de preparar indivíduos para assumir profissões menos nobres. Destinados à pequena burguesia em fase de proletarização e aos filhos dos trabalhadores. 4) Eliminação propriamente dita: É a eliminação por privação. Os indivíduos não chegam a ingressar no sistema de ensino. Destinado à classe de extrato econômico desfavorecida. O que há de comum entre a manutenção e a eliminação depois de descartadas as suas diferenças? Bourdieu e Passeron, apud Freitas (2005), respondem: A origem social dos alunos. Se mantido no sistema educacional, o faz pela sua origem, se excluído do sistema, também o faz pela sua origem de classe. Dessa forma, a superação da luta entre os contrários eliminação/manutenção se dá pela superação da luta entre os contrários capital/trabalho.
Quadro. Demonstra a divisão do trabalho e avaliação ao longo do sistema de ensino. (FREITAS, 2005, p. 249)
Assim, a mediatização do professor se tornará importante, pois seu compromisso de classe contribuirá para a ruptura ou não da falsa idéia de igualdade que o sistema de ensino apresenta, onde o fracasso é atribuído à falta de esforço pessoal e à reprovação um processo inevitável para uma parte de alunos menos "dotados".
4. A relação do processo de ensino da Educação Física, especificamente a avaliação, com a organização do trabalho pedagógico
Tendo claras as questões acima mencionadas e tendo como eixo norteador a Tese de Freitas (2005) que estabelece uma relação entre a organização do trabalho pedagógico e a organização do trabalho material, que se expressa nas categorias objetivo/avaliação, passaremos a discutir o processo de avaliação da área da Educação Física na organização do trabalho pedagógico da escola.
A produção do conhecimento da área da Educação Física brasileira evidencia a posição de que a mesma estabelece uma relação especial com o movimento econômico e político do país. Referente a essa questão Guiraldelli Junior (1988) nos diz que: Quando a sociedade pediu hábitos higiênicos e saudáveis, a Educação Física "estava lá" com a prática higienista; Quando a sociedade pediu ordem e disciplina, a Educação Física surgiu com o militarismo, e quando a sociedade pediu a disseminação da competitividade, a Educação Física apresentou a prática desportivisada.
Este desenvolvimento não se transforma de maneira estanque, podendo os seus valores estar presentes na prática cotidiana até os dias de hoje, resultando em um ecletismo que, em muitos casos, não esconde a falta de entendimento da área quanto ao verdadeiro conteúdo de tais tendências, levando-nos a produzir uma prática pedagógica de interesse elitista.
Contudo, é com a Educação Física competitivista que o desporto de alto rendimento passa a ser visado por caracterizar-se pela competição e superação individual, essenciais para a sociedade moderna. É nos estudos de Bracht e Kunz que encontramos, mais explicitamente, conhecimentos em torno desta questão.
Bracht (1997a) nos diz que o esporte é a expressão da cultura moderna, pois os jogos populares perdem seus significados frente às novas condições de vida geradas pelo processo de industrialização e humanização da sociedade capitalista. "Tão rápido e tão ferozmente quanto o capitalismo, o esporte expandiu-se a partir da Europa para o mundo todo e tornou-se a expressão hegemônica no âmbito da cultura de movimento" (Bracht, 1997b, p.05).
Kunz (1994), analisando o fenômeno esportivo, coloca que o seu sentido não tem sido diferente do processo de racionalização das sociedades atuais. Orientado pela racionalidade instrumental, o esporte de alto rendimento reproduz/produz os valores da sociedade moderna, na qual o rendimento configura-se como princípio máximo de todas as ações.
Bracht (1993) conclui que, com este sentido, o esporte passa a ser o vínculo entre a Educação Física e a sociedade, determinando-se o conteúdo "poderoso" no interior da escola e conquistando os olhares das Ciências do Esporte no interior das Universidades.
Assim, através de uma organização pedagógica baseada nos princípios competitivos e produtivos do esporte, a Educação Física Escolar passa a assumir a função social seletiva e preparatória para as relações sociais de produção. Objetivos, métodos e conteúdos são selecionados no sentido de organizar uma prática pedagógica que determina a hierarquia do mais forte, apresentando o processo de avaliação como um meio de sustentação desta lógica.
No trabalho pedagógico desenvolvido na escola, a área da Educação Física, contribui, através de seu processo de avaliação, para firmar o aspecto classificatório, dominante na avaliação, pois a realidade da avaliação, nas aulas de Educação Física, segundo Coletivo de Autores (1992), é entendida e tratada para: 1) atender exigências burocráticas expressas em normas da escola; 2) atender a legislação vigente; 3) selecionar alunos para competições e apresentações, tanto dentro como fora da escola. Soma-se a isso a forma de avaliar através da presença em aula, sendo essa a única forma de aprovação ou reprovação. E ainda:
Isso pode ser verificado nas vezes em que o professor, durante uma aula, dá atenção aos considerados mais capazes em detrimento dos demais, ou quando atribui aos alunos a responsabilidade de dividir grupos, equipes, cabendo isso aos identificados como líderes em função de suas competências e habilidades para a atividade. Verificam-se, ainda, posturas, gestos e manifestações verbais onde o professor, valendo-se de sua autoridade implícita ou explícita, classifica os alunos entre os mais e menos capazes para a realização das atividades (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 99).
Escobar (1997), em estudo sobre avaliação no processo da prática pedagógica do professor de Educação Física3, em observação direta de aulas, constata que aparecem maneiras informais e formais de avaliar. De forma saliente, no processo informal de avaliação, a ação do professor sobre os valores do aluno aparece a partir da punição, a qual, surpreendentemente, apareceu, também, na própria relação dos alunos entre si, onde os mesmos sofreram uma constante pressão para moldar ou mudar seus valores, pressão patenteada na desconsideração das suas motivações e na repressão da sua espontaneidade e dos seus desejos. "O professor desenvolveu esse processo através de atitudes de indiferença pelo desempenho do aluno, pelo uso do silêncio como exteriorização da sua reprovação – aplicação do 'gelo' -, pela negação de chances de manifestação pessoal, pela desvalorização do esforço pessoal, pelo oferecimento de melhores condições de exercitação aos maiores, mais fortes e mais hábeis" (p.144).
Tais observações se traduzem, no trabalho de Escobar (1997), nas falas dos alunos, quando estes expressam as questões da avaliação no seu âmbito formal.
Wellington, Melveyn, Ednilson, Rosildo, Valdenio. 5ª SÉRIE F:
"(...) Não gostamos de ser avaliados, pois na hora ficamos nervosos".
"(...) O professor gosta mais dos que sabem jogar bem".
"(...) Não posso vir a todas as aulas, acho que isso me prejudica. Os alunos que não precisam trabalhar têm mais sorte" (p. 85).
Robson, Aldson, Sandro, Josemir, Marcelo, Deivison e Edmilson. 5ª SÉRIE G:
"(...) A avaliação é necessária para mostrar os alunos que sabem e os que não sabem".
"(...) Os que não aprendem são desinteressados ou não têm condições de fazer as coisas, e por isso tiram nota ruim" (p. 85).
Jadison, Charles, Wendell, Jádson, Cláudio, Samuel, Jonas. 5ª SÉRIE B:
"(...) A avaliação é importante para o professor ver quem aprende e tem condições de ser um bom jogador. Os alunos que tiram nota ruim é porque não gostam de jogar bola".
"(...) O professor vai fazer uma turma de física (marinheiro, polichinelo e abdominais) para os que tiram nota ruim, fazem desordem, dizem palavrões e não gostam de jogar futebol" (p. 85).
Edson, Álison, Eliel, Juvenal, Egemeson, Hélio. 5ª SÉRIE A.
"(...) Na avaliação se saem melhor os meninos mais fortes porque eles treinam mais do que a gente; as equipes são formadas pelos maiores" (p. 86).
A partir do exposto, percebemos que a prática da avaliação esconde, em seu aparato técnico, a dinâmica das funções sociais específicas que a escola cumpre no interior da sociedade capitalista, e a Educação Física, contribui fortemente para este processo.
No atual modelo econômico, é necessário conseguir a submissão ativa que o trabalho industrial exige do trabalhador assalariado, garantindo-lhe a obediência, a disciplina e a ordem, tornando a área da Educação Física privilegiada para exigir esses méritos. A alienação cada vez maior do trabalhador com o processo, os meios e o produto de seu trabalho, manifesta-se no processo de ensino da Educação Física. Impossibilitados de decidir o que aprender, falta de oportunidade para determinar como serão obtidas as suas intenções coletivas, perda de controle sobre a própria atividade e tempo dito adequado de desenvolvimento das atividades, confirmam os meios para se chegar ao processo avaliativo, que determina a seleção dos mais capazes, expressa na nota, e que coincide com a dinâmica social que assegura a estes recompensas mais elevadas. À luz dessa lógica, o insucesso é dito como falta de esforço pessoal e aptidões específicas, e através de expressões como: "esporte educa", "esporte inclui", "esporte ensina a ganhar e a perder", passamos a falsa idéia de igualdade de oportunidades, tão comum na nossa sociedade, que joga a culpa do insucesso aos que não souberam conquistá-lo, reforçando a dialética da eliminação/manutenção que Bourdieu e Passeron (1975) nos apontam.
No modo capitalista, a exaltação da competição desenvolve a motivação pessoal e egocêntrica, estimulando a exploração do sujeito pelo sujeito. Se a Educação Física estabelece como objetivos, o rendimento físico, o desenvolvimento de capacidade motoras e desportivas, etc, precisa compreender que tais metas para serem atingidas apresentam-se intimamente dependentes das condições materiais de vida dos sujeitos. Planejar uma prática pedagógica na escola exige que os objetivos relacionados com a formação da cultura corporal sejam colocados no âmbito das relações sociais reais de uma sociedade desigual. Como questiona Escobar (1997): "Se a escola assume o aperfeiçoamento da capacidade de rendimento físico, o desenvolvimento de capacidades específicas, hábitos higiênicos e capacidades vitais e desportivas, pela sua própria função seletiva, não estará assumindo, ocultamente, o objetivo da seleção eugênica dos alunos?" (p.149).
Portanto, a área da Educação Física é desafiada a traçar objetivos e avaliar de maneira a abstrair o movimento do trabalho pedagógico da escola4 que reflete a organização do trabalho social. Faz-se necessário que, primeiramente, o professor de Educação Física crie a cultura de participar do processo de organização do trabalho pedagógico da escola. Escobar (1997), baseada em estudos de Burtowsky (1991), UFRJ e Wiggers (1990) UFSM, constata que os mesmos "verificam nas suas pesquisas que o professor de Educação Física é afastado dos mecanismos de decisão existentes na escola" (p.40). Para a mesma autora, "a organização do trabalho pedagógico deve ser observada como problemática que abrange não apenas o trabalho desenvolvido no dia-a-dia da sala de aula, com limites determinados pelos reflexos do trabalho da sociedade capitalista, mas também (...) a organização do trabalho da escola em função do seu projeto político-pedagógico" (p.40).
De posse disso, a área da Educação Física terá condições de dar um caráter crítico a sua produção de conhecimento de maneira a contribuir para superar as relações de desigualdades existentes, pois como nos declara Escobar (1997), somos levados a estar à frente de duas opções "ou o discurso perigosamente demagógico – no qual 'o crítico' centra-se mais nas intenções do que na própria realidade; ou a assunção explícita clara e decidida de um projeto histórico superador das relações sociais capitalistas" (p.69).
5. Considerações finais
Na perspectiva de discutir a questão da avaliação da Educação Física Escolar, este estudo situou-a no processo da organização do trabalho pedagógico, evidenciando a sua relação com os objetivos da organização do trabalho material.
Sem o propósito de esgotar esta questão e sim colocar esta problemática no processo de discussão da área da Educação Física Escolar, procuramos demonstrar que a avaliação constitui-se em uma categoria altamente complexa, que, juntamente com o processo de elaboração de objetivos, seleção, organização e sistematização de conteúdos, configura a realidade do conhecimento e o grau de apropriação desta realidade. E isso, ao nosso ver, reflete o grau de qualidade do processo de ensino/aprendizagem, pois, compreender o conteúdo-forma do ensino, pressupõe compreender o conteúdo-forma da escola, compreendendo suas relações com a base material. Neste contexto, a disciplina de Educação Física, deverá promover, no interior da escola, a compreensão dos nexos que envolvem o seu processo avaliativo e que no contexto das aulas, expressam a transformação do jogo solidário em competitivo, do lúdico em agonístico, do prazer do jogo coletivo em incentivo à individualidade, etc.
O desenvolvimento de práticas com este sentido, no nosso entendimento, não se realiza de forma desagregada, e sim, situada no movimento das relações sociais. Engajada na construção de uma realidade opressora, a Educação Física, no contexto escolar, contribui, de maneira dominante, através da sua parcela de conhecimento, para o processo da massificação de certas modalidades esportivas, impedindo, com isso, a ampliação do patrimônio da cultura corporal e sobrepondo práticas orientadas pelas condições físicas, de raça, cor, sexo, idade e condições sociais dos alunos e, na medida em que o processo seletivo permanece oculto, a escola não evidencia, que impossibilita a seus alunos, o acesso aos bens culturais e se distancia das suas funções educativas que deveriam ser de proporcionar que a aprendizagem se estabeleça.
Essas razões nos levam a buscar os elementos de dominação que a organização do trabalho pedagógico contém e, para que possamos inverter essa lógica, faz-se necessário, que a área da Educação Física, considere as necessidades de classe dos alunos, e isso, inevitavelmente, está ligado à busca de outros entendimentos e instrumentos de avaliação não só na construção das práticas corporais, como também na própria organização do trabalho pedagógico que reflete a organização do trabalho material.
Entendemos que, esclarecer as relações entre a produção de conhecimento, seu uso na produção material e na educação, torna-se condição essencial para a qualificação do processo de ensino e para reconhecer essas relações, devemos buscá-las também na produção do trabalho material e não somente na educação, já que o conhecimento desenvolvido no contexto escolar, não tem sua origem somente na escola, mas também fora dela. Assim, como nos declara Escobar (1997), no trabalho coletivo entre professores, alunos e administração escolar, podem ser encontradas novas formas de lidar com a questão da formulação dos objetivos de ensino, os conteúdos, métodos, planejamento, avaliação, relação professor-aluno, bem como com a própria gestão escolar.
Notas
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Para Andery (1996) o mito é transmitido por meio de geração como forma de explicar as coisas, explicação que não é objeto de discussão, ao contrário, ela une e canaliza as emoções coletivas, tranqüilizando o homem num mundo que o ameaça.
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Utilizamos o termo "Jogo" no sentido metafórico, conforme Pavía (2005), indicando união e movimento, como também conjunto de elementos que combinam entre si.
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Trabalho realizado nas aulas da disciplina numa escola pública de Primeiro Grau do Grande Recife, PE, e na produção teórica, de âmbito nacional, sobre ensino da Educação Física, compreendida nas dissertações de mestrado e nas publicações especializadas do período 1982-1992.
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Não estamos colocando a responsabilidade no esforço pessoal do professor e sim, queremos dizer, que estes trabalhadores, quando envolvidos de maneira política e coletiva, apresentam possibilidades de superação.
Bibliografia
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PAVÍA, V. Jogo. In GONZÁLEZ, F J. FENSTERSEIFER, P E. Dicionário Crítico de Educação Física. Ijuí: Unijuí, 2005.
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