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Reflexões sobre o corpo

Em vários âmbitos como o religioso, o filosófico, o científico e até mesmo no âmbito da magia e no imaginário das pessoas, o corpo humano, desde tempos mais remotos, tem sido objeto de estudo e reflexão. Dessa forma, as investigações sobre corpo atuam como objeto de pesquisa para melhor compreensão dos homens acerca desse assunto.

São várias as inferências que buscam definir o que é o corpo afinal. Para Vargas (1990, p. 33), o corpo é um turbilhão de acontecimentos culturais, sociais, animais e psíquicos, uma confluência de fenômenos, uma teia de emoções, de movimentos, um leque inesgotável de gestos. Feijó (1992, p. 7) considera que corpo e mente são um dado fenomenológico da percepção diária, dessa forma, nenhum dos dois deve ser negado ou diminuído. Brito (1996, p. 44) afirma que estudos atuais têm evidenciado como a psiconeuroimunologia e a psiconeuroendocrinologia, estudam as relações do corpo físico, com os corpos energético, emocional e mental. Ladislau e Pires (2007, p.1) relatam que o corpo de um indivíduo ao mesmo tempo em que guarda vários traços de sua subjetividade e de sua fisiologia, também pode esconder tais traços, e se aventurar na tentativa de desvendar esses mistérios é perceber o quanto é inútil separar a obra da natureza daquela realizada pelos homens, pois o corpo é “biocultural”, tanto a nível genético, quanto oral e gestual. Para Villaça e Góes (1998, p. 29), pensar o corpo é pensar em suas possibilidades e em seus limites, percebendo-o como um dos elementos constitutivos do universo, no qual se produzem as subjetividades.

Na Grécia antiga, vários filósofos já passavam a expressar discussões sobre a relevância da dimensão corporal do homem, tentando explicar sua importância. Eles buscavam preconizar a harmonia entre corpo e mente, demonstrada nas belas estátuas nuas, feitas através de uma expressão inteligente (VARGAS, 1998, p. 33). Platão pregava a dicotomia entre corpo-alma, para ele era fundamental fazer ginástica desde a infância e a adolescência, dessa maneira, a ginástica cuidaria do corpo e a música cuidaria da alma, criando uma harmonia entre os dois. Sócrates considerava que um corpo saudável era resultado de um corpo trabalhado e Aristóteles postulava que a educação compreendia três momentos: a vida física, o instinto e a razão.

Ainda segundo Vargas (1998, p. 33), na idade média, o corpo e a sexualidade eram vistos como sinônimos de pecado e, assim, os conceitos religiosos da educação preconizavam a elevação do poder mental e espiritual, renegando-se qualquer ação expressiva corporal. Somente as habilidades guerreiras dos cavaleiros e seus soldados eram permitidas, quando tinham como ideal a conquista de “lugares santos” e o combate às pessoas consideradas infiéis.

Contemporaneamente Marleau-Ponty em sua obra Fenomenologia da Percepção, propõe uma nova idéia sobre dimensão corporal e ressalta que é através do nosso próprio corpo que interagimos com o mundo e as pessoas ao nosso redor. Dessa forma, compreende-se que, quer seja na filosofia antiga, quer seja na filosofia atual, o corpo surge como um ponto crucial para as relações humanas (NOVAES, 2001, p. 17).

Segundo Silva et al. (2007, p. 2) o corpo que temos hoje, guarda muitos vestígios dos corpos de antigamente. Alguns desses vestígios vêm à tona com maior evidência, outros nem tanto, mas todos deixaram suas marcas. Representações de saúde, beleza, doença, juventude, virilidade, etc., não desapareceram, simplesmente, adquiriram novas características, produzindo “novos corpos”. Dessa forma, a individualidade das aparências criadas a partir da super valorização da imagem, leva o indivíduo a acreditar que o corpo é o local da identidade, que o corpo fala sobre a personalidade e atualmente a individualização do eu é de grande importância, já que, hoje ser único é ser visível.

Analisar o corpo através do parâmetro cultural é compreendê-lo situado no tempo onde vive, mas não apenas ligado à natureza biológica, e sim, em interação com o mundo ao seu redor, e dessa maneira, perceber como o corpo é provisório, passível de inúmeras mudanças, de diversas formas de aperfeiçoá-lo, significá-lo. É acima de tudo, entender que a construção daquele corpo é a todo o momento atravessada por diferentes marcadores sociais como raça, gênero, geração, classe social e sexualidade (LADISLAU & PIRES, 2007, p. 2).

Intimamente ligadas ao corpo humano estão às relações sociais, culturais, políticas e econômicas do momento histórico vivido e essas relações influenciam por completo o universo das técnicas e práticas corporais, fazendo com que, o corpo tenha, após a modernidade, se tornado um dos elementos mais complexos e interessantes (SOARES, 2001 apud BANDEIRA & ZANELLA, 2007, p.2-3).

Segundo Adorno (1994) citado por Bandeira e Zanella (2007, p. 3), dentre as várias categorias que constituem essas relações, encontramos a indústria cultural e sua relação com o corpo humano sob o âmbito mercadológico, fazendo do corpo uma mercadoria. Nessa conjuntura, a indústria cultural tenta alienar a sociedade e convencê-la de que o consumidor é o sujeito nessa relação, quando na verdade ele não passa de objeto.

Neste contexto, o corpo, influenciado pela cultura do belo, tem sido um dos principais agentes para o crescimento do consumo. Diante da ditadura da beleza e influenciados pela mídia, os corpos vêm sendo homogeneizados a determinados padrões estéticos (BANDEIRA & ZANELLA, 2007, p. 3).

A centralização que o corpo adquiriu na idade contemporânea levou ao aumento do número de produtos e serviços relacionados ao corpo, ao seu desenvolvimento, manutenção, controle. A indústria da beleza não pára de crescer, assim, o corpo torna-se um modelo sob o qual são conferidas diversas marcas, transformando-se em algo provisório, mutável, conforme o desenvolvimento de cada cultura (SILVA et al. 2007, p. 2).

A questão tradicional de aceitar ou não o corpo recebido torna-se agora: como mudar o corpo e até que ponto? O desenvolvimento das ciências da vida nos últimos anos permite hoje que o corpo sofra alterações não somente na aparência, mas também nos elementos de sua estrutura, e a possibilidade de recusa ou aceitação do corpo é uma alternativa oferecida ao indivíduo a partir do distanciamento advindo com a tomada de consciência de sua própria imagem (VILLAÇA & GÓES, 1998, p. 29).

Atualmente, vários são os discursos que tentam convencer a todos de que vivemos em tempos de diversidades e de relativismos. Esses discursos pregam a existência de conceitos em que o respeito a normas e padrões estaria se extinguindo, assim, entende-se que finalmente, a hora de valorizar e respeitar as diferenças teria chegado. Entretanto, quando o assunto é corpo, observa-se o que pode ser chamado de “paradoxo contemporâneo”. Por um lado, vivemos um momento denominado por muitos de pós, no qual conquistamos uma certa liberdade, que permite a cada indivíduo se expressar livremente, ser e ter o que quiser, inclusive no que diz respeito ao corpo. Por outro lado, há uma série de discursos, principalmente midiáticos, que desejam convencer a todos, estabelecendo um modelo corporal a ser seguido. Logo, aquele contexto de apoio à diversidade e esse poder normatizador sobre o corpo, constituem o “paradoxo contemporâneo” (VILAÇA et al. 2007, p. 2).

Segundo Rodrigues (1975, p. 45), o fato de a cultura ditar normas em relação ao corpo, às quais o sujeito deverá se acostumar a qualquer custo, até o ponto de esses padrões lhe parecerem naturais, vem fazendo com que o homem tenha dificuldade em lidar com a sua própria imagem.

Bandeira e Zanella (2007, p. 4) questionam se o fato de a sociedade buscar enquadrar seus corpos aos modelos ditados pela mídia, não esteja fazendo com que as pessoas passem a adotar imperceptivelmente a idéia de coletivo, perdendo a autonomia e a tão desejada visibilidade através do ideal de ser único, ser diferente.

No decorrer da história, chegamos a um ponto em que as pessoas, em busca do desejo de tornar o corpo perfeito, procuram separá-lo de seu patrimônio genético e cultural (LADISLAU & PIRES, 2007, p. 7). Encantadas por belas imagens, por físicos inigualáveis, expostos pela mídia, elas se aventuram a reformar o corpo por meio dos avanços tecnológicos e científicos. O resultado dessa reforma é a satisfação de ver o corpo padronizado aos modelos estéticos atuais, a conquista de uma possível visibilidade perante a sociedade e uma falsa individualidade, falsa porque, um modelo estético que é comum a todos não confere a ninguém exclusividade.

Na Grécia, mais ou menos entre os séculos 300 a.C. e 200 d.C. reinava o período Helenístico. Nesse período, a idéia de corpo era traduzida através da physis (físico), sinônimo de corpo na atualidade e que se tornou popular após o século XIX com a prática das chamadas educação física e atividade física (SOARES, 2007, p. 14).

Segundo Soares (2006, p. 31) o caminho grego no qual o ser humano poderia existir e se desenvolver era guiado por três valores: o belo, a justiça e o bem, de forma que a prática da ginástica atuaria para manutenção e equilíbrio destes.

No helenismo, a estética corporal em harmonia com os valores culturais formava o homem grego sensível. Nesse período, a ginástica era vista como exercício das faculdades individuais e o ginásio como um indicador do nível de desenvolvimento da nação, essa duplicidade diferenciava os gregos das sociedades bárbaras, dando-lhes sensibilidade (SOARES, 2006, p. 31).

Abrantes (1998) citado por Soares (2006, p.35) afirma que o período helenístico foi fortemente influenciado pelo pensamento estóico, que pregava a exclusividade da existência dos corpos. O materialismo e o corporeísmo valorizados pelas idéias estóicas foram criticados pelo cristianismo e pelas filosofias e ciências modernas, já que o fato de Deus ser considerado pelos estóicos como modo de ser da matéria, não estava de acordo com os princípios filosóficos e científicos.

O helenismo ao seu final foi revolucionado por Alexandre Magno, que na tentativa da monarquia universal e dotado de valores estóicos, inverteu a problemática platônica e aristotélica de valorização do equilíbrio entre corpo e espírito e também a idéia da physis, que juntamente com as mudanças na política, destruiu a harmonia entre sociedade e indivíduo na Grécia, levando a sua invasão pelo Império Romano. “A estruturação do individualismo, fundamentado na nova filosofia helenística, leva a uma perspectiva individual da ética da estética, a physis transforma-se em um físico material singular de cada indivíduo” (SOARES, 2006 apud SOARES, 2007, p.15).

A inversão do entendimento da physis faz com que o povo grego, agora greco-romano perca a capacidade de manter o equilíbrio entre corpo, espírito e beleza (SOARES, 2007, p.15). Para Soares (2006, p. 39) foi nessa época que teve início o individualismo e o egocentrismo que reinam até hoje.

Com a queda da sociedade grega o entendimento da civilização quanto às relações entre corpo e espírito também caem por terra, a partir desse momento tem início a idéia da atual cultura corporal de valorização do físico ao espiritual. Surge na antiguidade, a idéia da superioridade da matéria em relação ao espírito. Quando o cidadão greco-romano adota o pensamento estóico pregado no helenismo, talvez inconscientemente, ele esteja criando um novo fenômeno de culto ao corpo, conhecido na modernidade como fenômeno estético de adoração ao belo, o determinado modelo corporal imposto pela sociedade (SOARES, 2007, p. 16).

Entende-se estética como a ciência do belo, sendo o belo o subjetivo de cada um, ou seja, características que tornam um objeto ou corpo agradável ou não (DUFRENNE, 1998 apud CARDOSO, 2006, p. 26).

Segundo Novaes (2001, p.35), nas civilizações pré-colombianas, a beleza estava ligada ao privilégio de poder produzir alguma deformidade. Assim, uma desproporcionalidade entre a orelha e o nariz, pode ser considerada uma deformidade para a nossa cultura, mas para outro povos não. Por outro lado, uma musculatura desenvolvida pode ser considerada uma anomalia por alguém de uma cultura diferente da nossa.

Para Feijó (1992) citado por Novaes (2001, p. 35) o conceito de beleza é universal, já aquilo que é considerado belo é relativo aos padrões de cada cultura, de cada época. Hoje a estética surge atrelada à noção de beleza, ligada a cultura corporal (DUFRENNE, 1998 apud CARDOSO, 2006, p.26).

Segundo Aranha e Martins (2003, p. 371) citados por Soares (2007, p. 17) a beleza muda de padrão com o tempo, e tal mudança depende mais da cultura e da visão em alta no momento do que de uma exigência interior de belo, assim, fatores como mídia e cultura podem influenciar na subjetividade estética das pessoas.

Desde a queda do período helenístico quando teve início o fenômeno estético, o corpo passou por diversas transformações. Hoje ele passa a ser visto como objeto de beleza, desejo, status. Surgem padrões a serem seguidos no que diz respeito à estética corporal, técnicas de modificação para que as pessoas se enquadrem nesses padrões. A prática de exercícios, as dietas, as cirurgias são algumas dessas técnicas que têm se tornado comuns no campo do esteticismo (SOARES, 2007, p. 17). Para Soares (2006, p. 21) é como se hoje fosse necessário sintonizar os corpos com os objetos tecnológicos de consumo.

De acordo com Le Breton (2003) citado por Vilaça et al. (2007, p.3) o avanço tecnológico, que culminou com a substituição do trabalho braçal pelas máquinas, ajudou para o engrandecimento do fenômeno do culto ao corpo, pois a partir do momento em que os músculos não estavam mais ligados à idéia de força e eficiência mecânica para gerar lucros, o corpo estaria livre para ser trabalhado das mais diversas formas possíveis fora das indústrias.

No decorrer da história da humanidade, a forma como homens e mulheres trataram o corpo se fez sob uma quase total irracionalidade. Isso pode ser percebido pelos padrões estabelecidos em diferentes momentos na história, assim, a sociedade sempre determinou, ao longo das décadas, um tipo de corpo (FERREIRA et al., 2005, p.168).

Voltamos aqui àquela noção do “paradoxo contemporâneo”; o transcorrer da história determinou ao longo dos anos o fim de certas “amarras” da sociedade, no momento em que o corpo poderia ser tratado e trabalhado sob os mais diversos pontos de vista, ele se vê encurralado por um novo modelo que restringe seu uso. Dessa forma é necessário se pensar o corpo como um objeto destinado a seguir determinado padrão (VILAÇA et al., 2007, p.3). Dando-se evidência aos corpos masculinos o que é padrão atualmente são os modelos altos, fortes e robustos (LADISLAU & PIRES, 2007, p.6).

Hoje em dia, pode-se perceber que o sexo masculino tem se mostrado muito mais preocupado com a aparência. Essas preocupações estão voltadas para os cabelos, para a altura, para os pêlos, entre outras. Segundo Pope et al. (2000, p.204) a preocupação masculina com os cabelos se faz pelo medo de que estes sejam ralos demais anunciando uma provável calvície ou que estejam ficando grisalhos. Para os homens, um cabelo livre da aparência grisalha, das caspas e da calvície, sugere que eles sejam mais jovens, mais bonitos e bem-sucedidos, atraindo as mulheres.

O aspecto das mamas também é uma das preocupações masculinas. Mamas grandes ou gordas podem ficar com um aspecto feminino e gerar certa insegurança dos rapazes quanto à masculinidade e virilidade. Dessa forma milhares de homens recorrem à cirurgia para redução de mamas anualmente (POPE et al., 2000, p.208-209).

Preocupar- se com o fato de ter pêlos demais ou de menos também é comum entre os homens e ser baixo para a maioria deles também é motivo de alerta, já que para a sociedade os homens têm que ser mais altos que as mulheres (POPE et al., 2000, p.209).

Analisando todas essas características consideradas importantes para o gênero masculino, pode-se concluir que ter muito cabelo, mamas que não tenham aspecto feminino e ser bastante alto são para a maioria dos homens sinônimos de força, virilidade, dureza e masculinidade (POPE et al., 2000, p.210).

Para Beiras (2007), a masculinidade que os homens tanto buscam afirmar, nada mais é do que uma construção histórica e social, que através de certos atributos determinam o que é o masculino. Mas com o tempo esses símbolos sofreram certas transformações e a noção de maturidade e masculinidade anunciadas antigamente pela barba e por outros pêlos corporais, hoje está mais voltada para a aparência musculosa e mesomórfica.

Pope et al. (2000, p.13) ressaltam que essa preocupação com a aparência musculosa tem levado muitos homens a sacrificar boa parte de suas vidas para se exercitarem exaustivamente nas academias, buscando um tórax mais musculoso, um abdômen mais definido. Vários homens e jovens adultos estão gastando muito na compra de suplementos alimentares, esteróides anabolizantes ou outras drogas perigosas para “aumentar” o corpo, e assim, melhorar a estética. No entanto, podemos nos questionar, por que a noção de beleza do masculino está ligada a imagem de um corpo musculoso?

A pergunta acima pode ser respondida se resgatarmos a história e verificarmos que desde antigamente a doutrina cristã por mais rigorosa que fosse, permitiu que o tema da imagem musculosa do herói se tornasse convenção artística, até a invenção da fotografia no século XIX (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.58).

Na era pós-industrial a idéia de construção do corpo (body building) ganhou força quando os antigos valores a que o corpo se apegava sofreram um impacto com a espetacularização do mundo contemporâneo. Kenneth Dutton, primeiro body builder, ao final do século XIX, Sandow, o magnífico, ressaltam que sua expressão individual passou a ser valorizada, diante de uma série de acontecimentos, entre eles o movimento da cultura física germânica, a espetacularização das formas corporais para a população e o importante papel da fotografia para contemplação da estética, o que acontecia anos atrás somente através da pintura e das esculturas (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.58-60).

Para Ito et al. (2008, p.54), desde o surgimento da primeira fotografia, esta tinha como função primordial apenas reproduzir de maneira precisa os fenômenos naturais, sendo usada somente de forma objetiva e realista. Posteriormente, o caráter apenas documental da fotografia viu surgir outra maneira de se ver o mundo sob o ponto de vista da preocupação estética nas imagens.

Em meio às crises que se configuravam entre os anos de 1870 a 1880, às greves violentas e a imigração descontrolada de povos do sul e do centro da Europa, a cultura física passou a fazer parte da cultura americana como motivo de fuga para todos os problemas. Foi o momento da valorização dos músculos masculinos. A nudez passou a encontrar nos heróis gregos e romanos a permissão estética e a aceitação pela moral puritana devido à força e vigor muscular. Naquela época, passou-se a pensar que um corpo de homem, se fosse musculoso, jamais estaria verdadeiramente nu (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.60).

Segundo Suguihura (2007, p.199), desde as estátuas gregas, há um elo entre imagem e o discurso que determina o tipo de corpo característico de cada sociedade. Na Grécia antiga, os heróis da mitologia eram imortalizados em estátuas que expressavam, pelos corpos “perfeitos”, os valores, as atitudes que levavam ao sucesso, ao reconhecimento.

Com todos os eventos que cercavam essa nova moda de adoração às formas corporais masculinas, o body building entrou em ascensão, passando a caracterizar a construção da massa muscular, desligada da noção de força e saúde. Tal tendência se estendeu até a Primeira Guerra, como um ideal de perfectibilidade a ser alcançado. No início do século XX, a exibição corporal se tornou freqüente. Com o desprendimento das amarras da moralidade, nos anos de 1920 a 1930, os ícones esportivos eram mostrados ressaltando o hedonismo que se instaurou no mundo do esporte. Surge uma nova linguagem, a body language, caracterizada como um tipo de comunicação não verbal, que utiliza as posturas, os gestos e expressões faciais (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.61).

A comunicação não-verbal deslumbra os seres humanos desde seus primórdios, pois envolve todas as manifestações de comportamento não expressadas pelas palavras, podendo ser observada na pintura, literatura, escultura e outras formas de expressão humana. Pode-se dizer que o movimento inserido em um contexto traduz o significado de uma mensagem (SILVA, 2000).

Muitos dos adeptos do body building até 1930 eram levantadores de peso que se apresentavam em circos, ou como modelos fotográficos, porém com o declínio do teatro de variedades, o body building passou a seguir caminhos variados. O levantamento de peso se tornou uma modalidade olímpica em 1920 e se transformou em um tipo de treinamento para aquisição de força. O ato de posar passou a exigir uma ênfase na estética voltada para fotografias e a atenção as formas seria o determinante. Com a crise do modelo “herói”, a espetacularização dos músculos do homem perfeito se tornou curiosidade de cabaré (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.61-62).

A preocupação com o corpo perfeito renasce nos anos 40 com a criação do concurso de Mister América. Da América essa obsessão pelo corpo se espalhou pelo mundo e novos concursos para exaltação do físico masculino foram criados como o Mister Universo, no final dos anos 60, e o Mister Olympia, repercutindo nos cinemas com os filmes de gladiadores até a era Schwarzenegger. Dessa forma, o body building é reinventado (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.62). A preocupação masculina com relação ao corpo faz parte da cultura narcísica, que tem no body building, uma de suas mais fortes expressões.

Segundo Pope et al.(2000, p.73-74) a valorização da beleza corporal masculina é muito comum em outras culturas, sendo que em algumas delas, a estética do homem é tida como mais importante que a estética da mulher. Na África, os homens da tribo Wodaabe, são fortes guerreiros e líderes políticos, mas também cuidam de sua aparência, enfeitam-se, ficam descontentes com suas rugas e imperfeições, pintam seus rostos e fazem penteados nos cabelos. Nessa tribo, os homens até participam de concursos de beleza tendo as mulheres como juradas.

A adoração ao corpo masculino pode ser vista em vários momentos da história. A masculinidade das estátuas gregas e romanas é um exemplo. Na idade média a beleza masculina era contemplada através dos heróis cristãos: altos, fortes e elegantes. Na Inglaterra elisabetana, os homens já eram muito vaidosos com sua aparência e preocupados com seu vestuário (POPE et al., 2000, p.74).

Contemporaneamente um corpo esculpido, com músculos bem torneados é objeto de valorização para os homens. Cada cultura constrói sua imagem de corpo e essas imagens se estabelecem como maneiras próprias de ver e viver o próprio corpo (RUSSO, 2005, P.81-83).

A preferência por determinadas características do corpo masculino, pode ser explicada parcialmente pela biologia e pelo processo evolutivo. A idéia de beleza através da simetria dos traços corporais, já está moldada na mente das pessoas e se torna uma preferência coletiva. Outro exemplo dessa preferência coletiva é um grande tamanho de corpo. No mundo animal, o tamanho corporal é extremamente importante, já que o animal maior é aquele que domina. Da mesma maneira, desde tempos mais antigos, para o sexo masculino, ter um corpo maior e mais forte, confere aos homens algumas vantagens, como proteção para a prole e luta por uma fêmea (POPE et al., 2000,p.75).

Durante séculos a aparência masculina foi valorizada por diversas culturas, nos mais diversos locais, muito disso, pela vontade de atrair as mulheres e dominar outros homens. No entanto, os homens modernos estão mais inseguros com seus corpos, com relação aos homens de antigamente e isso pode ser explicado pelo papel de destaque que as mulheres conquistaram na sociedade (POPE et al., 2000,p.75-79).

Vários autores (Assunção, 2002; Ballone, 2005; Choi, Pope Jr., Olivardia, 2006; Pope Jr., Phillpis, Olivardia, 2000; Mirella, 2006; entre outros) citados por Falcão (2007, p.6) afirmam que o papel masculino e feminino na sociedade vem sendo modificado nas últimas décadas.

Pope et al. (2000, p.75-76) acreditam que a igualdade entre os sexos conquistada pelas mulheres ao longo dos anos em muitos aspectos da vida diária, foi um dos responsáveis por desencadear a insegurança dos homens com relação à imagem corporal. Os autores ressaltam que as mulheres hoje podem fazer praticamente qualquer coisa como um homem. Atualmente é possível encontrá-las ocupando desde cargos políticos, até ingressando em academias militares, papéis antes, restritos apenas ao público masculino, além disso, elas se tornaram mais independentes financeiramente. Diante dessa situação, o que teria restado aos homens para afirmar a sua masculinidade, teria sido apenas o corpo, pois um dos aspectos em que as mulheres dificilmente se igualam ao sexo masculino é no desenvolvimento da musculatura.

De acordo Falcão (2008), à medida que as conquistas femininas foram ganhando destaque na sociedade, a preocupação masculina com relação ao corpo também aumentou, devido a um sentimento de masculinidade ameaçada. Esse fato pode ser visto com mais intensidade a partir dos anos 60 em que é possível perceber os maiores avanços tecnológicos das mulheres e as mais notáveis transformações nas atitudes culturais com relação ao corpo masculino. Para eles, obter um corpo musculoso se tornou importante porque a musculatura representa a masculinidade e está relacionada às funções culturais dos homens de serem fortes, poderosos, eficazes, dominadores e destruidores.

Escritores como James Gillett e Philip White, citados por Pope et al. (2000, p.77) afirmam que um corpo musculoso representa hoje em dia, uma tentativa dos homens de resgatarem o auto controle e o valor masculino, já que a igualdade entre os sexos, tirou deles o papel exclusivo de provedores e protetores. Michelle Cottle, jornalista, afirmou em um artigo recente que “com as mulheres tornando-se cada vez mais independentes, os pretendentes estão descobrindo que precisam colocar na mesa mais do que uma carteira recheada se esperam ganhar (e manter) a linda donzela”.

A estética corporal masculina evoluiu com o passar dos anos, acompanhou o desenvolvimento da história da humanidade, caracterizando-se e se deixando influenciar pelas mais diversas culturas. Atualmente, ela se caracteriza por corpos fortes e musculosos, como uma maneira dos homens afirmarem a masculinidade ameaçada pelo avanço do feminismo, mas também como tendência a acompanhar a padronização dos corpos através de um modelo de beleza imposto pela mídia e pela sociedade.


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